A música já é conhecida, melodia simples e certeira que algum gênio criou lá atrás e nomeou Jingle Bells. Da sala, do quarto ou da cozinha, ouvem-se as notas que atraem para a janela ou para a sacada, para deparar com o espetáculo de luzes coloridas cruzando a rua e anunciando a caravana natalina. Por alguns instantes, a vizinhança irá sorrir e esquecer que estamos no ano mais difícil de nossas vidas. Os artistas, lá debaixo, ouvirão aplausos distantes, de uma plateia cujos rostos não distinguem, mas veem que há crianças no colo, há idosos em seus pijamas, há casais abraçadinhos, há mulheres e homens solitários.
A pandemia fez de janelas e sacadas observatórios do mundo para os confinados da quarentena e também fez delas camarotes para se assistir a apresentações musicais que levaram um pouco de alento aos corações confinados. Alguns fizeram de suas sacadas o próprio palco para fazer ouvir sua música. Houve os que fizeram da janela seu púlpito para manifestar o descontentamento com a política, ou um altar para homenagear os heróis da saúde com salva de palmas. Houve até aniversariante recebendo pelas sacadas o “Parabéns a Você” entoado pela vizinhança, para amenizar a falta dos abraços.
Chega, enfim, ao fim este ano que tirou da aposentadoria a moda dos drive-ins, tão populares nos anos 1970. Foram sessões de cinema, shows e espetáculos teatrais apresentados para públicos encerrados em seus veículos, mostrando que a arte não pode jamais parar. Também foi de dentro dos veículos que nos permitimos respirar novos ares, ao deixar o bunker para alguns passeios em razoável segurança, distante das aglomerações promovidas pelos insensatos.
No ano em que não abraçamos os amigos, benditos foram os encontros virtuais pelas chamadas de vídeo, dobrando até os mais resistentes a se mostrar para as câmeras. Pais imaginaram o cheiro dos filhos, avós brincaram com seus netos através da tela dos celulares e computadores. "Como será que se fazia quarentena sem internet?" é a pergunta que todo mundo se fez ao menos uma vez.
Neste ano em que balançamos entre a esperança e a desesperança, aprendemos que é possível estar junto sem estar perto, e que estar presente é estar atento ao próximo, com uma mensagem ou um telefonema quando não foi possível ver ou tocar. Não temos de romantizar: 2020 foi um ano ruim. Mas são os tempos de dificuldade que nos ensinam quem somos e por quem vivemos.
Para ler ouvindo
Jingle Bells, entoada por Frank Sinatra