O caxiense Volnei Canônica tem trajetória extensa na missão de promover o livro e a leitura. Entre as passagens mais importantes estão sua contribuição no extinto Ministério da Cultura (MinC) e a idealização do Instituto de Leitura Quindim, espaço dedicado à literatura infantil que funciona em Caxias do Sul desde 2018. Com uma vida envolta por livros, letras e leitores, era natural que Canônica também se aventurasse no universo da escrita. Porém, até então, suas histórias habitavam apenas rascunhos, gavetas e a memória de alguns amigos mais próximos. Mas uma dessas criações surgiu com uma urgência própria, emoldurada pela necessidade de falar de um assunto delicado e pouco explorado na literatura infantil. Nesse contexto nasce Tanta Chuva no Céu, primeiro livro de Canônica, já disponível para venda por meio da loja virtual da Editora Brasil.
O autor escreveu o primeiro esboço do livro durante uma viagem de avião, inspirado pelas gotas de chuva que batiam na janela. O ano era 2012 e ele não estava enfrentando nenhuma perda pessoal, mas a temática acabou surgindo de forma natural na narrativa. E é exatamente a forma como o livro aborda o assunto que o torna especial em meio a tantas publicações que surgem no espectro da literatura infantil – vale lembrar que Tanta Chuva no Céu integrou recentemente a lista de 14 melhores novos livros lançados para a infância e juventude, da revista especializada Quatro Cinco Um.
A obra narra um momento de solidão e saudade vivenciado por uma menina que se encontra longe dos pais. Há metáforas delicadas que falam de cicatrizes, de dores, de silêncios, de memórias.
– Às vezes a gente quer preservar a infância, como se a criança ou o jovem não passasse por todas as dores que nós como adultos, pais, educadores, avós, passamos. As alegrias e as dores do mundo perpassam todas as idades. A preservação da infância se dá no processo lúdico e dialógico, então, conversar com a criança sobre todas as questões que estão na sociedade e no mundo é fundamental. O diferencial está na linguagem, na sensibilidade, nesse pensar de forma mais metafórica – defende o autor.
A narrativa de Canônica coloca a personagem a lidar com a falta, que se faz presente em cada canto da casa numa manhã cinza. Esse vazio é também cheio de detalhes que ganharam forma por meio do talento do ilustrador equatoriano Roger Ycaza. O convite ao artista partiu do próprio autor e Tanta Chuva no Céu acabou sendo a primeira publicação do equatoriano no Brasil.
– Ele conhece muito sobre a cultura na América Latina, tanto que ele traz essa personagem que é uma menina latina. Ele trouxe umas metáforas incríveis, foi construindo o vazio do texto – elogia Canônica.
Aproveitando que hoje é Dia da Criança, uma reflexão que sempre deve ser levada em conta, e que está presente em Tanta Chuva no Céu, é o respeito aos pequenos enquanto indivíduos complexos, capazes de sentir o mundo de diferentes formas. Canônica comenta que há um receio muito grande de conversar com crianças sobre assuntos como a perda.
– Realmente, as pessoas não gostam de tocar em temas assim, é um absurdo, uma grande falta para a infância. É muito mais fácil você encher um livro de cor, de temas mais alegres, de mensagens mais positivas, mas você não acolhe o sentimento da criança, parece que ela é aquela folha em branco, que não sente nada – diz.
E ao tratar de temas ásperos não quer dizer, de maneira alguma, que uma narrativa não possa criar pontes para o afeto, para a acolhida.
– Mais do que nunca, é fundamental que essa história chegue hoje nas mãos das crianças, porque elas estão perdendo a convivência com os parentes, com os colegas. É todo um mundo novo de começar a se ouvir. O livro pode parecer triste, mas na verdade traz uma possibilidade de que dias melhores virão – aponta Canônica, fazendo um paralelo com o momento atual de enfrentamento à pandemia.
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