Ser músico de orquestra é ser também o seu próprio motorista, dirigindo de um ensaio a outro, de um concerto a outro em cidades diferentes. Muitos são contratados por diversos grupos, como integrantes fixos ou temporários, por isso têm de fazer malabarismos para dar conta da agenda. Mas nada disso vinha ocorrendo durante a pandemia. Na última semana, porém, o violinista e violista Wagner Rezer voltou a sentir esse gostinho do que era a rotina antes de março.
Entre terça e quarta-feira, o morador do bairro Desvio Rizzo, em Caxias, rodou cerca de 600 quilômetros partindo de Caxias a Vacaria, onde é regente da Orquestra Sinfônica local, que retomou os ensaios visando um concerto de Natal. De lá seguiu para Santa Cruz do Sul, para ensaiar com os colegas da Orquestra de Câmara da Unisc, na quarta pela manhã. Da terra da Oktoberfest voltou a Caxias, apenas para um breve descanso em casa e um afago no filho recém-nascido, para então seguir rumo a Bento Gonçalves, onde se apresentaria com a Orquestra de Câmara da Fundação Casa das Artes na mesma noite.
– Tive a dádiva de poder acompanhar o meu filho nos seus primeiros meses, pois ele nasceu em janeiro. Mas foi muito complicado ficar todo esse tempo parado. Enquanto músico, acho que todos aprendemos a dar mais valor para essas situações em que estamos juntos – conta Wagner (na foto da página 7).
Enquanto apresentações musicais em formato drive-in já se tornaram normais e as lives talvez já tenham mesmo passado do seu auge, o concerto que marcou a reabertura do Anfiteatro Ivo Da Rolt, na Casa das Artes, na última quarta-feira, foi um cartão de visitas do novo normal para eventos em salas de teatro. A realização foi permitida graças ao decreto 55.537, de 9 de outubro de 2020, do governo do Estado, que também permitiu a reabertura dos cinemas em municípios que estejam há duas semanas nas bandeiras amarela ou laranja. A atenção às normas de segurança sanitária, no entanto, ainda são indispensáveis no novo normal. E, ponto positivo, o público parece ter internalizado alguns processos mais básicos, como o uso da máscara e a procura pelo dispenser de álcool gel mais próximo.
Na entrada do prédio, músicos e a audiência têm sua temperatura corporal medida pela recepcionista, que recolhe os ingressos. Antes de adentrar o teatro, outra servidora pede a higienização das mãos com álcool, disponível em uma embalagem plástica. No teatro, cuja lotação está restrita a um terço da capacidade, os assentos indisponíveis são marcados com um X em papel ofício.
Entre os primeiros a chegar, o casal de designers Valdecir Predebon, 55, e Sirlei Chiminazzo, 57 (foto), optou por deixar um assento entre eles, mesmo estando juntos. Uma forma de reforçar a mensagem do distanciamento. Sirlei conta que a princípio ela e o marido não se sentiram à vontade para ir, mas mudaram de ideia ao longo do dia:
– Quando meu marido e eu fomos convidados a vir, no início achamos que não era o momento, pois estamos priorizando ficar em casa, em segurança. Mas hoje eu estava caminhando e por acaso ouvi uma música clássica que me emocionou e fez mudar de ideia. A saudade desses momentos falou mais alto. A música traz um alívio para a vida da gente nesses dias difíceis.
Além do público presencial, formado por pouco mais de 100 pessoas (foram distribuídos 150 ingressos, entre comunidade em geral, patrocinadores e servidores públicos – cujo concerto foi uma homenagem pelo seu dia), a apresentação teve transmissão ao vivo pelo Facebook. O formato híbrido deve ser uma das tendências para os tempos pandêmicos, principalmente para eventos sem cobrança de ingressos.
– É uma primeira experiência desse “novo normal”, com público misto entre o presencial e o virtual, que tende a se multiplicar. Pode ser mais difícil em casos onde há cobrança de ingressos, porque, dependendo do tipo de espetáculo, não compensa apresentar para um público tão pequeno, Mas para apresentações públicas é mais viável. Não podemos, contudo, deixar de passar a mensagem de que os cuidados seguem sendo muito necessários. Acho que a palavra-chave é cautela. Saber que com as taxas de contágio mais baixa será possível voltar, mas ainda não com tudo, nem com todos – analisa o secretário de Cultura de Bento, Evandro Soares.
A adaptação ocorre também no palco. Todos os músicos da orquestra, exceto o naipe de sopros, utilizaram máscara durante a apresentação. Os sopradores, por sua vez, estiveram mais afastados, com dois metros entre um e outro. O maestro, Gilberto Salvagni, também não dispensou a máscara.
– Para fazer meu trabalho é mais fácil tendo público. O aplauso dá a noção da reação das pessoas, e a comunicação com quem está nos assistindo também funciona melhor para quem não tem experiência diante da câmera. A plateia, no entanto, exige maior esforço de concentração dos músicos. É um desafio maior – avalia.
O concerto teve no programa peças de Mozart e Bach, além de homenagens a Ludwig Van Beethoven e a Ennio Morricone. Um momento de saudosismo e deleite especialmente para o público menos afeito à tecnologia, e que, por isso, talvez sentisse mais falta da experiência da música de concerto:
– Eu sou apaixonado por música clássica desde guri. Cresci ouvindo nas trilhas de cinema, no rádio – comentou o espectador Sérgio Maccali , 70.
Se cabe um testemunho pessoal, a sensação de poder assistir a volta de um concerto ao vivo, com a incomparável vibração orgânica dos instrumentos e a reação igualmente inigualável dos aplausos – a verdadeira “curtida” –, é de alma lavada pelo reencontro com a essência da música, sem as limitações tecnológicas, sem a separação pela tela. Os assentos vazios e os sorrisos e as expressões faciais encobertos pelas máscaras, por outro lado, ainda fazem da experiência algo deveras estranho e solitário. O “novo normal” talvez ainda seja muito novo para quem sonha com a volta do normal.
Leia também
Guitarrista Sasha Z lança single nesta sexta
Exposição "Poéticas do Habitar Serra" abre nesta sexta, em Caxias
Artista de São Marcos, Jagunço lança EP nesta sexta
Grupo critica a aplicação dos editais referentes à Lei Aldir Blanc em Caxias
Secretaria da Cultura de Caxias terá atendimento estendido em função dos editais da Lei Aldir Blanc
Espetáculo "206820" será apresentado no Porto Alegre em Cena nesta quinta
Décimo filme do coletivo Volta & Meia estreia nesta sexta Caxiense faz projeto de maquiagem referente ao Halloween