Ele ainda era mecânico quando suas pinturas nas ruas de Recife começaram a ser notadas e elogiadas. Era tipo um chamado da arte. Mesmo inseguro, fez a transição e virou Bozó Bacamarte, artista pernambucano de 32 anos cuja obra faz um sincretismo de grafite e xilogravura, mesclando-se ao imaginário do Movimento Armorial.
Cosmopolita e regional, este trabalho chega a Caxias do Sul através do Projeto SAMbA Território-Residência de Artista, do Instituto SAMbA, com a criação de uma obra inédita e diversas ações culturais. Bozó quer deixar aqui as boas vibrações do Nordeste. O jornalista Carlinhos Santos, que assessora a vinda do artista à Serra, conversou com Bozó. Confira abaixo alguns trechos da entrevista.
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Como você se interessou por arte?
Durante minha infância, eu meu irmão desenhávamos no caderno por influência de minha mãe. No trajeto de casa até minha escola, via muita pintura na periferia. Era grafite raiz mesmo. Fiz amizade com o grafiteiro Pivete e fui para a ONG Instituto Vida, na Zona Norte do Recife, onde conheci o Derlon. Galo de Souza foi meu professor. Fiz oficina de grafite e breaking. Também tinha oficina de Cidadania, que eu faria hoje. Mas sentia uma necessidade de expansão e fiz oficina sobre história da arte com a professora Tereza Neuma. Comecei a me encantar mais ainda com o universo dos pintores e quis trazer pro meu grafite. E tinha os Gêmeos como exemplo de algo que fugia do tradicional. E até então só conhecia o trabalho do J. Borges e suas xilogravuras de cordel. Depois, vi uma exposição do Samico no Museu do Recife, e acabei na Cultura Armorial. Quando vi a exposição e conheci o trabalho do Samico fiquei encantado. Pensei que era naquele rio que eu queria nadar.
Qual é a sua linguagem artística?
Meu trabalho se define a cada momento, é uma constante evolução. Ele tem essa lembrança da estética da xilogravura do cordel, mas atuo também em outros campos. Consigo sentir aquela vibração, seja numa apresentação de um Cavalo Marinho, seja num toque de um terreiro de Jurema, todas essas coisas são revertidas na pintura.
Como seu trabalho ganhou as ruas?
Foi através das ruas que fui reconhecido, as pinturas que eu fazia no Centro do Recife, nas avenidas movimentadas. Muita gente ia ver, ia curtir. E como eu fui cativado pelas pinturas que vi na rua, eu queria cativar as outras pessoas. Até que conheci o galerista Armando Garrido, que encomendou dez telas. Seria a primeira vez na vida que eu ia pintar uma tela. Fiquei assustado. Morria de medo de largar meu emprego de mecânico para seguir uma carreira artística. Mas aceitei o convite e fiz as telas. Aí entrei para a galeria virtual Nuvem, que trabalha com arte urbana. Então larguei a oficina mecânica e fiquei na arte.
A arte muda a vida das pessoas?
Com certeza. A minha é um exemplo. Sendo bem franco e sincero, na minha família sempre olharam de uma forma confusa, achavam estranho o que eu fazia. Ainda mais agora que sou da Jurema, que é minha religião. Eles são católicos. Mas ninguém fala nada, eu ajudo quando posso. E sou dono da minha própria cabeça.
O que quer deixar com esta imersão no Instituto SAMbA?
Quero deixar um pedaço de mim, das coisas que absorvi ao longo desses 20 anos de trabalho, do meu local, do Nordeste. Sou um artista que procura sentir a energia em minha volta para poder produzir algo que fique bom. Quero deixar minhas boas vibrações e energias na parede.