No que depender da vontade e das projeções do empresário caxiense Toyo Bagoso, a próxima edição do Mississippi Delta Blues Festival, de 19 a 21 de novembro, será uma espécie de cartão de visitas do novo normal para o setor de eventos na Serra. A intenção de retirar o MDBF do seu habitat natural, o Largo da Estação Férrea, após 13 anos, dialoga com a necessidade de buscar um espaço mais amplo, para receber um público menor e mais espalhado, com mais cuidados sanitários e atenção às restrições de aglomeração – realidade inegociável até a imunização da população por uma vacina contra o coronavírus. O planejamento, é claro, corre junto com a esperança de que uma segunda onda de contágio não afete o país – e que se consiga achatar a curva da primeira onda nos próximos meses.
É certo que o próximo MDBF terá bem menos que os 3,5 mil espectadores por noite registrados nos últimos anos, e as atrações devem ser mais concentradas em artistas nacionais (nem o lendário baixista Bob Stroger deve deixar Chicago este ano). Mesmo diante de incertezas, Toyo ressalta que a procura por ingressos é boa: são mais de 800 entradas já comercializadas, pela plataforma digital Sympla.
– Estamos tirando o festival de uma área com 11 mil metros quadrados e estudando a possibilidade de levá-lo para uma área três vezes maior, que já conta com boa estrutura tanto de palco e bastidores quanto de arquibancadas e acomodações. O festival nunca foi um formigueiro humano e, neste ano, a preocupação com a circulação se torna, inclusive, uma necessidade. Tenho otimismo de que possa ocorrer neste local e na data prevista – comenta Toyo, que prefere não divulgar o local antes de uma situação mais definitiva, embora tudo leve a crer que ocorra nos Pavilhões da Festa da Uva.
A equipe do MDBF mantém reuniões regulares com as secretarias municipais de Cultura e Turismo. Se uma consequência da pandemia for a perda de alguns patrocínios, Toyo negocia um apoio maior da prefeitura.
– Por que cancelar agora, que mal iniciamos agosto? Drive-in já foi liberado, logo devem ser liberados eventos com estruturas de acrílico. Vamos aguardar. A ideia é realizar uma edição online em outubro, um mês antes do festival, e, nesta ocasião, fazer um anúncio mais oficial de como será feito o festival. Se não for possível fazer em novembro, passamos para janeiro, fevereiro ou abril, conforme a possibilidade.
“PRUDÊNCIA E CIÊNCIA”
Marcado para 18 e 21 de março, o Festival Música de Rua foi um dos primeiros eventos a serem cancelados em Caxias do Sul por conta da pandemia. O plano de viagem, de acordo com o produtor Luciano Balen, é realizar o festival no final do ano. Embora haja dúvidas quanto ao “como fazer”, algo que pode ser considerado descartado é descaracterizar o festival levando os shows para o ambiente digital, bem como tirar a universalidade do acesso:
– Transformar em live seria o óbvio, e desde o começo temos como objetivo fazer o contrário do que a maioria está fazendo. Também não tem sentido fazer drive-in, porque não podemos privilegiar apenas quem tem carro. Tenho a esperança de poder fazer o festival entre novembro e dezembro, mas sempre acreditando e respeitando a ciência e sem contestar as leis brasileiras.
A realização, claro, só será possível com adaptações. A intenção é espalhar as apresentações por mais datas e levá-las a diferentes bairros de Caxias, sempre em locais abertos e sem apostar em atrações que arrastem multidões – o que nem é a filosofia do evento, que trabalha mais com ritmos de nicho e cena alternativa (não deve ter justamente aquela atração que era a exceção à regra, como já foram Kleiton e Kledir, Otto ou Vitor Ramil em anos anteriores). A aposta deve ser em artistas locais e regionais – o que ocasiona menos compromissos firmados com companhias aéreas e menos incômodos em caso de eventuais cancelamentos de última hora.
Parte do otimismo de que será possível ocupar as ruas com música em novembro vem do exemplo de cidades europeias de porte semelhante ao de Caxias, que, com a chegada do verão, puderam realizar eventos mais segmentados. Para isso, contudo, é preciso que a curva de contágio do coronavírus achate nos próximos meses.
– Para quem estuda se irá ou não realizar o seu evento, minha dica é simples: prudência e ciência. Fora disso, é correr um risco que não tem preço – destaca Balen.
A seguir, a reportagem mostra o que outros organizadores de eventos de diferentes segmentos, programados para os próximos meses em Caxias e região, planejam e esperam dentro da nova realidade imposta.
Semana Farroupilha
Região que concentra o maior número de entidades tradicionalistas no Estado, a 25ª Região Tradicionalista – que envolve Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha, São Marcos, Nova Roma do Sul e Nova Pádua – é, também, a mais atingida pela pandemia. Além de rodeios, festas campeiras e campeonatos cancelados, com a Serra sob bandeira vermelha do distanciamento controlado nem mesmo atividades de menor envolvimento humano, como os treinamentos de tiro de laço, estão liberadas.
A preocupação mais urgente é com a Semana Farroupilha, realizada em conjunto com a Secretaria Municipal da Cultura. O coordenador da 25ª RT, Rodrigo Ramos, destaca que a “semana do gaúcho”, que ocorre de 14 a 20 de setembro, deve ser essencialmente virtual. Desde março, a entidade vem fazendo campanhas e gincanas beneficentes nas redes sociais, com boa adesão da comunidade gaudéria, o que dá otimismo para uma boa participação também na semana comemorativa. A expectativa, no entanto, é que pelo menos algumas atividades possam ocorrer presencialmente, como a cavalgada, provas de tiro de laço e concursos artísticos individuais.
– Sabemos que uma invernada em que se apresentam 20 casais, por exemplo, vai ser muito difícil voltar esse ano. Mas vejo que ainda podemos ter atividades individuais, como a chula, a declamação, o intérprete vocal ou instrumental, que podem se apresentar apenas para os avaliadores e dependem de uma pequena equipe técnica. A parte campeira mais ainda, já que é só o laçador, o cavalo e o boi. Quem sabe até setembro possamos ter protocolos mais favoráveis, que nos permitam realizar essas atividades – destaca Rodrigo.
Para os próximos meses, a entidade aguarda para saber se e como poderão ser realizados alguns dos principais rodeios dos calendários, como os de Vila Oliva e de Criúva, ambos marcados para os últimos meses do ano. Apesar da disposição em realizar os eventos, o coordenador reforça que a razão de ser do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), ao qual as Regiões tradicionalistas são filiadas, é ajudar os governos municipal e estadual. Dessa forma, a prioridade é acatar os protocolos:
– Toda a cadeia produtiva que gira em torno do tradicionalismo foi muito afetada: artistas, competidores, trabalhadores, comerciantes, prestadores de serviço. Mas somos os primeiros a erguer a bandeira de que a prioridade deve ser sairmos ilesos dessa situação terrível.
Parada Livre
Vinte e dois de novembro foi a data que Caxias do Sul escolheu, entre as disponibilizadas pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ALGBT), para realizar a sua Parada Livre este ano. O calendário é organizado de modo a impedir que eventos sejam realizados no mesmo dia em diferentes cidades relativamente próximas, e assim não concorram um com o outro.
O sentimento dos organizadores da parada caxiense, no entanto, é de que dificilmente o evento possa ocorrer presencialmente na Praça Dante Alighieri, como prevê o projeto. Aliás, nem em qualquer outro lugar. O plano B, de acordo com um dos coordenadores da Parada, o ativista Sandro Maurício da Silva (que há 34 anos dá vida à personagem Valma Classic Kieer), é pedir a cessão de um espaço fechado que permita fazer a Parada sem público, com transmissão pela internet.
– Por enquanto o projeto é que seja 22 de novembro na Praça Dante, mas a gente acredita que a Parada dificilmente vá conseguir ir para a rua, por causa da aglomeração. Se vier uma negativa por esse motivo, a gente vai seguir o exemplo de outros municípios do Estado que irão fazer tudo por live. Mas ainda não tomamos essa decisão. Como é em novembro e ainda há um tempo até lá, estamos esperando que alguma boa notícia ainda possa chegar – diz Sandro.
O organizador destaca que 2020 é um ano especial para o Movimento LGBT em Caxias, pois marca os 20 anos da Parada Livre. Razão para, mesmo que não se possa fazer o evento nos seus moldes tradicionais, a internet seja uma solução vista com bons olhos:
– É uma questão de consciência. A gente sabe que tem de seguir regras. Se não der para fazer a Parada, vamos negociar pegar um espaço para fazer ao vivo e transmitir na internet, com a produtora e dois ou três artistas fazendo ao vivo, e outras pessoas mandando seus vídeos.
Desfile de Carnaval
A principal festa popular no Brasil é também uma das maiores incógnitas para 2021. Sem muitas alternativas que permitam escapar da aglomeração de foliões nas ruas, o Carnaval dificilmente poderá ocorrer de 12 a 16 de fevereiro, data original prevista no calendário. Em São Paulo, a decisão de adiar a folia já é oficial, ainda que a futura data não tenha sido definida (maio surge como a possibilidade mais forte). No Rio de Janeiro, decisão semelhante deve ser anunciada nos próximos meses.
Diretor de Carnaval da Associação das Entidades Carnavalescas de Caxias do Sul, Elvino Santos considera que o adiamento é a melhor alternativa, pela própria natureza do evento:
– É válido que o Carnaval seja adiado e que se ganhe tempo para termos uma vacina, que pode ser uma realidade ano que vem. Trata-se de uma festa, antes de tudo, coletiva e popular, que envolve um grande número de pessoas nas comunidades, durante a preparação, e depois nos desfiles. Não tem como imaginar um Carnaval diferente disso.
Em Caxias, que tenta a retomada do Carnaval das escolas de samba após período conturbado durante o governo de Daniel Guerra, que cortou investimentos no evento, a expectativa também é pela próxima eleição. Elvino considera que não apenas a comunidade carnavalesca, mas todo o setor cultural, precisa estar atento e mobilizado para cobrar garantias dos candidatos.
– Caxias do Sul precisa de um resgate cultural em vários sentidos, inclusive no Carnaval. Tudo passa pela boa vontade do poder público. Quem realiza o Carnaval são as pessoas, através da suas agremiações, mas o poder público precisa facilitar. Os governantes precisam atender os anseios da população e o povo anseia por mais lazer e cultura, principalmente quando superarmos este momento. Vamos ter de dialogar com os candidatos para conhecer suas propostas e, se possível, deixar garantias encaminhadas – analisa Elvino.
Enquanto não há definições sobre a festa popular, o dirigente destaca que o foco será na qualificação das pessoas envolvidas, com a possibilidade que surge na pandemia de realização de diversos cursos online, nas áreas técnicas (como julgamentos de desfile), de gestão e de políticas públicas:
– A gente sente a necessidade do Carnaval de Caxias se qualificar. O próprio fato de termos perdido tanto espaço junto ao poder público passa pela falta de preparo técnico para garantir o cumprimento das leis. É uma falha que a gente reconhece.
Maratona da Moda
Eventos que celebram as criações dos estudantes de moda da UCS, a Maratona da Moda e Prêmio UCS/Sultextil não irão receber público para sua 26ª e 40ª edição, respectivamente, este ano. A organização se inspira no que tem visto fora do Brasil para viabilizar uma edição que possa ser transmitida ao vivo pela internet, e que seja o mais bonito e organizado possível.
– Sabemos que não vai ser possível ter o evento com público presente, mas queremos priorizar uma forma que permita a todos assistirem simultaneamente, mesmo pela internet. Acho que vai ter uma repercussão bem legal. Vamos ter novidades, mas que ainda não podemos revelar agora, pois queremos ser os primeiros a trazer esse formato par a região – ressalta a coordenadora do curso de Moda da UCS, Mercedes Manfredini.
Ainda sem data marcada, os desfiles devem ocorrer na primeira quinzena de outubro. Além da mudança no formato, as dimensões também mudam: se edições anteriores chegaram a ter 300 pessoas envolvidas na organização, desta vez a intenção é ter no máximo 50 pessoas, em turnos diferentes.
– Temos espaços grandes, que nos permitem fazer com que as coisas aconteçam sem um interferir na realização do outro e sem expor a riscos de saúde as pessoas diretamente envolvidas, como alunos e modelos – explica Mercedes.
A coordenadora também destaca como ponto positivo a mobilização dos estudantes para buscar soluções criativas desde o começo da pandemia:
– O mundo está mudando e o setor da moda tem como característica olhar um pouco à frente. Com esse olhar, a gente consegue enxergar as oportunidades em meio às dificuldades e pensar rapidamente em soluções que nos permitam ir adiante.
Garibaldi Vintage
Uma das iniciativas mais bem sucedidas em termos de evento turístico e gastronômico temático na Serra, o Garibaldi Vintage passa por período de hesitação. A próxima edição, marcada para 6 de novembro, provavelmente não será como as 12 anteriores, que lotaram as ruas do charmoso centro de Garibaldi.
Realizado em parceria pela Secretaria Municipal de Turismo e Associação Garibaldi Gastrô, a comissão organizadora estuda maneiras de realizar o evento de forma semipresencial. A intenção, como diz o presidente da Garibaldi Gastrô, o chef e empresário Rodrigo Bellora, é, neste momento em que o evento não pode crescer, manter viva a história:
– É difícil acreditar que até novembro teremos uma solução mágica, que permita reunir as pessoas na rua, como é a proposta do Vintage. Para não deixar que a ideia se perca, vamos remodelá-la de acordo com as necessidades, talvez tirando o evento das ruas e fazendo nos hotéis e restaurantes da cidade, respeitando a capacidade de ocupação permitida pelos protocolos sanitários. Outra possibilidade é que as atrações artísticas sejam transmitidas online e os estabelecimentos ofereçam delivery, para as pessoas curtirem de casa. São ideias que estamos pensando para não deixar o Vintage morrer.
Natal Luz
Sem perspectiva de poder realizar os grandiosos desfiles e espetáculos a céu aberto que a cada ano reúnem milhares de pessoas, Gramado quer chamar a atenção para a decoração em seu 35º Natal Luz – sem abrir mão da programação artística. As ruas bonitas e convidativas serão o chamariz do principal cartão-postal da Serra, na medida que o evento terá dimensões bem menores – não só pela restrição de aglomeração de pessoas, mas também pela necessidade de enxugar o próprio elenco de artistas e trabalhadores.
O secretário de Turismo e presidente da Gramadotur, autarquia que realiza o Natal Luz, Rafael Carniel, destaca que a cidade espera definições do governo do Estado sobre a realização de eventos, o que irá permitir ter uma noção mais clara sobre a realização dos espetáculos.
– O melhor de Gramado é viver Gramado. A questão dos espetáculos, mais ligados a aglomerações, nós teremos de reinventá-los. Uma ideia é descentralizar a programação, para que as pessoas curtam a cidade, que vai estar muito bonita. Mas antes de tomar qualquer atitude, precisamos de uma posição clara do governo estadual quanto a protocolo para realização de eventos. É o que vai nos permitir fazer as licitações necessárias, que só para o Natal Luz são quase 200. Se tivermos claro o que se pode fazer em bandeira amarela, em bandeira laranja e em bandeira vermelha, estaremos preparados para realizar o evento em qualquer condição – afirma.
Embora menor em suas proporções, Rafael projeta uma edição mais cara e com uma arrecadação mais modesta. Considera que, mesmo se as contas empatarem, já será uma vitória para a autarquia:
– O Natal Luz viabiliza a própria Gramadotur. A realização de outros eventos, a manutenção da ExpoGramado, Orquestra Sinfônica, tudo é pago pelo Natal Luz. A necessidade de distanciamento, por exemplo, irá exigir mais arquibancadas para receber menos pessoas. Os bastidores precisam passar por uma transformação muito grande, porque se uma pessoa de um elenco se contaminar, pode comprometer todo um espetáculo. Todo ambiente onde o evento ocorrer será controlado. E esse protocolo de segurança envolve muitas despesas.
Para tentar ter uma noção do impacto que a pandemia terá nas viagens e no turismo, nos últimos meses a autarquia tem feito diversas pesquisas junto ao público e a agências de turismo. Os resultados levam a crer que Gramado deverá receber um bom público para o Natal. Recentemente, uma pesquisa do site de reservas Booking.com indicou a cidade como o destino mais desejado da América Latina por viajantes do mundo inteiro para a sua próxima viagem.
– Será um Natal muito delicado e reflexivo para muitas pessoas, o que nos faz querer ainda mais oferecer essa sensação de acolhimento, num ambiente ao mesmo tempo afetivo e seguro – acredita o secretário.