Atores e atrizes do palco e das ruas são artistas que se reconhecem nas reações imediatas do público: a gargalhada, o aplauso ou a vaia não são apenas a validação do trabalho, mas também um elemento da própria construção do espetáculo. E é sem essa interação que a atriz caxiense Odelta Simonetti está aprendendo a dar vida à palhaça rock 'n' roll Rarley Davidson, tendo diante de si apenas a câmera do celular e o olhar da filha Olívia, de três anos.
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Reinventar sua forma de fazer arte foi uma imposição da pandemia de Covid-19. Ao perceber que as apresentações e projetos para o ano estavam todos cancelados - a começar por um espetáculo solo que iria estrear no Festival Téti, em abril - Odelta sabia que não iria conseguir dedicar o período de quarentena apenas à maternidade ou ao aperfeiçoamento profissional, embora sejam atividades que ocupem boa parte do tempo (ela cursa o quarto semestre de Pedagogia).
- A gente foi "de 100 a zero" em três segundos, como uma Ferrari ao contrário. Foi um choque. Mas tenho o privilégio de ter descoberto muito cedo na vida o que eu queria fazer, e de ter o teatro como algo que vive dentro de mim e que não consigo calar. Mesmo em casa, eu me sentia em erupção e sabia que iria precisar transbordar de alguma forma. Mas sabia que seria necessário me reinventar. A pandemia, para mim, tem sido um momento de muitas descobertas, inclusive de dar um pouco mais de atenção para as redes sociais e a internet como ferramenta de divulgação. Sempre fui uma pessoa totalmente analógica - comenta a atriz, de 40 anos.
Embora a experiência na dramaturgia vá além, com participações em cinema e no teatro de máscaras, é a palhaçaria que faz Odelta mergulhar mais fundo. Não apenas na criação de espetáculos, mas nas pesquisas a respeito da construção de palhaças mulheres, que reflete na construção de suas personagens. É onde a caxiense consegue explorar melhor suas habilidades e repertório, e por isso a quarentena fez ressurgir Rarley Davidson ainda mais corajosa ("mas só por fora, porque por dentro é uma medrosa", revela a criadora):
- A primeira coisa que fiz foi escrever e gravar foi uma poesia para a Rarley. Depois peguei meu acordeon e fiz uma música, dizendo para as pessoas ficarem em casa. Quando vi que não ficou tão ruim e que a receptividade foi bacana, me desafiei a fazer mais vídeos. Improvisei um tripé pro celular, fui tateando para ver como funcionava: às vezes acertava o vídeo e errava o truque, às vezes acertava o truque, mas saía do enquadramento. Gravação é algo cansativo, seja num set de cinema ou sendo a equipe de uma mulher só, como agora é meu caso. Te faz explorar de outra forma o fazer artístico, o que tem muito a ver com a técnica. Se a conexão com o público precisa existir mesmo quando tu não está nos melhores dias, também é preciso exercitar a técnica quando não há público, apenas uma câmera.
Sem contratos desde março, Odelta conta com o apoio da família e do marido para amenizar a perda de renda. Com o projeto "Rarley Power" recentemente aprovado no edital FAC digital, da Secretaria Estadual de Cultura, vai poder dar à palhaça underground a primeira experiência mais formal em vídeo, levando ao público três performances inéditas. Um impulso a seguir criando, pesquisando e explorando a persona artística, mesmo longe das pessoas. Um processo de resiliência, segundo define:
- O momento é muito ímpar, mas muito rico do ponto de vista da criação. Como artista, penso que, se pudermos ter a condição de focar nossas energias em nossa arte, vamos poder sair dessa tragédia com muita matéria-prima para criar. Ao mesmo tempo, como cidadã, espero que a humanidade possa refletir sobre como lida com o consumo, com a natureza, com o próximo. Se repensarmos nossa existência num sentido mais humanista, essa provação vai ter valido a pena.
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