– Não há o que esperar, porque nada para. As coisas estão acontecendo e a gente tem que se encaixar no movimento.
É com serenidade que o músico e compositor Cardo Peixoto encara a quebra na rotina provocada pela pandemia de Covid-19. Em isolamento social desde a metade de março, o pelotense radicado em Caxias do Sul perdeu a turnê que faria na Argentina, dentro do Circuito Dandô, e viu diminuir a quantidade de alunos de violão: dos 13 que tinha até março, apenas três mantém aulas pela internet. A regência de um grupo vocal em Flores da Cunha e aulas para um quarteto de vozes também são trabalhos que estão suspensos, assim como a gravação do novo álbum, que ocorreria em julho, em São Paulo.
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– Existe um processo para a gente se acostumar com algo que não quer. Começa por vencer aquela resistência em aceitar que a situação é essa mesmo e que não vai mudar tão rápido assim. Tendo clareza disso, é como se a pandemia fosse um empurrão ao encontro de coisas que já iriam ocorrer, como o uso maior das tecnologias digitais, seja para gravar, divulgar o trabalho ou se aproximar mais do público. É algo que as novas gerações já lidam com mais naturalidade. Nada é completamente ruim – avalia o músico, com mais de 30 anos de carreira.
Desde o início do período recluso, Cardo aproveitou a tecnologia para chegar a novos públicos. Participou de programas de rádio de emissoras do Chile e da Argentina, além de festivais de lives. Também experimentou fazer uma live com contribuição espontânea, como forma de amenizar a perda de renda no período.
– Foi interessante, bastante gente ajudou. E muitos que não tinham esse costume de assistir lives estão começando a participar mais agora, então é uma forma de não se distanciar do público –comenta.
Compositor compulsivo, Cardo Peixoto diz ter mais de 400 músicas prontas no seu computador, entre temas do regionalismo brasileiro, marca principal da sua obra, sambas e até um pouco de blues. Escrever e lapidar são uma dimensão do trabalho que o isolamento intensificou:
– Encaro a composição como um ofício. Não escrevo pensando num projeto definido, mas sim como uma prática diária. A preocupação que tenho é que essas músicas possam ganhar a estrada, no seu tempo. Neste caso, uma estrada virtual.
É nesta estrada virtual que chega o mais recente lançamento de Cardo. Desde a meia noite de hoje, já está disponível o EP Precisão. As cinco faixas celebram parceria com o poeta pelotense Valder Valeirão, musicando cinco poemas do amigo e conterrâneo. Gravado e produzido em casa, Cardo gravou todos os instrumentos, fazendo bastante uso de percussões no acompanhamento do seu violão (a exceção é o vibrafone, tocado em uma faixa pelo caxiense Eduardo Arruda).
– São poemas que falam de humanidades, por isso fazem muito sentido neste momento, mesmo não tendo sido escritos durante a pandemia. Sempre gostei de musicar poemas como parte do meu exercício de composição. Os amigos postam nas redes sociais, eu peço autorização e faço a música em cima. Foi assim com o Valder, com quem eu tinha uma espécie de dívida moral, pois ele também é designer e fez a arte dos meus primeiros discos, sem cobrar um centavo – conta Cardo.
Lançado pelo selo Tratore, importante distribuidora de artistas independentes do Brasil, o EP pode ser conferido nas páginas e perfis de Cardo Peixoto em mais de 70 plataformas digitais, sendo as mais conhecidas Spotify, Deezer, YouTube e iTunes.