Diz o trecho do livro Clandestinidades do escritor caxiense Marcos Mantovani: "Perdas coletivas fazem os dramas particulares se olharem". O romance não trata das mortes por covid-19. Mas é como se a narrativa dialogasse com a pandemia do coronavírus. "Sete anos e ele continua sentindo um vazio esquisito a respeito do irmão, já que não houve a despedida religiosa com velório e enterro, não houve sequer um corpo", escreve Mantovani, como quem disseca alma de tantos mundo afora. "Corporalidade no luto é um conceito que ele não conhecia até junho de 2009", sintetiza.
Clandestinidades é a mais recente obra de Mantovani, autor de Sala de embarque (2011) e Borboleta nua (2013), romance vencedor do Prêmio Vivita Cartier. O livro está à venda na Livraria do Arco da Velha. Todos os exemplares vendidos serão autografados pelo autor e entregues com frete grátis. Na quarta-feira, dia 13, às 19h, haverá uma live no Facebook da livraria, com um bate-papo sobre literatura contemporânea, processos de escrita e paradigmas dos novos tempos literários, com Marcos Mantovani. Nesta segunda-feira, dia 11, o autor participa ainda do sarau Órbita Literária, realizado também em formato de live.
Clandestinidades parte de um evento traumático, a queda do avião Airbus A330-203, voo 447 da Air France (Rio-Paris), que caiu no Oceano Atlântico e matou 228 pessoas.
— A temática do "luto sem corpo" é uma coincidência difícil. Em 2009, em função da queda do Airbus no oceano, 73 famílias tiveram que seguir em frente sem ter um corpo para velar. Hoje, isso é vivido por quem perde um ente querido para a covid-19. No meu romance, a ideia do corpo ausente foi importante para a mirada que eu queria: pontos cegos, clandestinidades, cortinas em torno do eu — explica Marcos Mantovani, 41 anos, mestre em Letras, Cultura e Regionalidade pela UCS.
Em Clandestinidades, Mantovani acaba tocando em dois gêneros muito caros a ele, jornalismo e literatura. Parte inicialmente da notícia da queda do avião, cujos eventos não podem ser alterados, porque cabe ao repórter narrar os fatos. No entanto, enquanto escritor, Mantonavi se atreve a ficcionar as motivações e ações dos personagens que ele criou para a trama.
— Nesta minha prosa, existem, sim, certas ressonâncias de jornalismo, certo cacoete de olhar com o rigor observatório e a desconfiança que o jornalista tem, mas sempre à mercê da divindade para a qual eu rezo todas as noites: a arte literária — profetiza.
O mote que conduz os leitores para dentro da narrativa diz respeito a um evento que ocorre sete anos depois da tragédia. Rui, enfermeiro de Porto Alegre que perdeu o irmão no acidente aéreo, recebe um telefonema da ex-cunhada, o que suscita o regresso de memórias conflituosas.
— No meu romance existem personagens que, cada uma a seu modo, deparam-se com clandestinidades específicas (a vida de cada um de nós está cheia de pontos cegos, não é verdade?). Eis aí uma expressão importante para a minha narrativa: pontos cegos. O corpo do irmão que nunca foi encontrado no oceano, a relação conjugal que se modifica na surdina, as escolhas privadas que o pai de Rui faz. De certa forma, o acidente com o Airbus pode ser tão trágico quanto os dramas clandestinos das personagens — observa.
Esse ponto cego a que se refere Mantovani, revela as obsessões do jornalismo (em desvendar fatos e a consequência social dessas ações) e da literatura (no mergulho para dentro da alma dos personagens, para entender suas reais motivações, sejam elas cândidas e puras, ou embevecidas em maniqueísmos sórdidos). Mas o que une o escritor e o repórter Mantovani é o olhar. Não só o dele na investigação do seu objeto de escrita, mas também do leitor, em conduzi-lo a desvelar o que está sendo narrado.
— Como leitor (para usar uma expressão que está na moda) eu bato continência para algo que o Ricardo Piglia disse em Anos de Formação: "O cinema é mais rápido que a vida, a literatura é mais lenta". Se você quiser pensar por si, sem se ajoelhar para o messias da vez, você precisa do olhar vagaroso da leitura literária. É na travessia lenta do virar-de-páginas que você começará a calibrar o seu olhar para a vida. Todos os romancistas, cada um a seu modo, oferecem uma chance para que o leitor enxergue coisas invisíveis em relação a si mesmo — defende.
AGENDE-SE
O quê: Pré-venda do livro Clandestinidades, de Marcos Mantovani. Na quarta-feira, dia 13, às 19h, live de lançamento
Onde: Nos canais de comunicação da Do Arco da Velha Livraria & Café www.facebook.com.br/davelha - Whatsapp: (54) 9 9133 2786 - Tel. fixo: (54) 3028 1744
Preço do livro: R$ 35 (com frete grátis, e 20% do valor será direcionado para uma ação social).
Financiamento: Clandestinidades foi editado com financiamento da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, da prefeitura de Caxias do Sul e publicado pela Vírtua Editora Multimídia.