O quanto estamos dispostos a sacrificar para nos tornarmos quem somos?
Naquela que é a melhor frase do ótimo documentário da Netflix “O Diabo na Encruzilhada” (2019), sobre a trágica vida e morte do tocador de blues Robert Johnson (1911-1938), Steven Johnson dá sua versão para a lenda do suposto pacto feito por seu avô com o diabo, ao qual ofereceu sua alma em troca da habilidade ao violão nunca dada a um homem: o pacto na encruzilhada é uma alegoria sobre o quanto cada um de nós aceita deixar para trás para encontrar a própria grandeza.
Saído da cidadezinha de Hazlehurst, no estado norte-americano do Mississippi, Robert Johnson era um músico mediano e frequentemente ignorado nas “jam sessions” (sessões em que os músicos se reúnem para tocar de improviso) antes de sumir por um ano ou dois, para então retornar aos palcos como o gênio que revolucionou o blues e abriu caminho para tudo o que veio depois (e, nesse caso, “tudo” não é mera força de expressão). É provável que Johnson tenha aproveitado a reclusão para derramar muito suor sobre o violão e aprender atentamente com os mestres, aproveitando as mãos de tamanho descomunal – que podem ser vistas numa das suas duas únicas fotografias conhecidas – para desenvolver uma técnica que não se conhecia. Mas acreditar nisso seria reconhecer que o esforço nos torna capazes, e precisamos imaginar que certas coisas são mesmo inalcançáveis, para nos aconchegarmos em nossos pequenos fracassos.
Apesar de toda desgraça, Johnson tinha uma vantagem: ele jamais duvidou que nasceu para tocar blues. A música, contudo, o conduziu à vida errante e desregrada nos anos de penúria e a arrogância no pouco tempo de fama que experimentou. “Com o gênio, vem o diabo”, avisa o bluesman Keb Mo em outro trecho do documentário. Johnson morreu envenenado, aos 27 anos, após beber um gole de um uísque destinado a ele por um marido traído. Conta-se que, antes de aceitar a dose, debochou do conselho de jamais beber de uma garrafa recebida sem o lacre.
Todos nós, um dia, iremos deparar com a encruzilhada, que em seus múltiplos caminhos irá nos obrigar a optar por um e renunciar aos outros. O pacto não é sobrenatural, é pessoal. É sobre o sacrifício de cada escolha de vida, é sobre nos tornarmos a pessoa que nascemos para ser.