Já é tradição e a última noite do 12º Mississippi Delta Blues Festival (MDBF) reforçou a vocação da programação em transformar a Estação Férrea de Caxias num mapa das inúmeras vertentes do gênero norte-americano. Logo de cara, no início da noite, duas das mais conhecidas escolas do blues davam o clima do MDBF.
Do lado direito à entrada, Chris Gill mostrava o blues do Mississippi abrindo os trabalhos do Folk Stage. Na outra extremidade da Estação Férrea, Bob Stroger — um dos clássicos mais legais já produzidos pelo festival — mostrava o lamento à moda de Chicago. Atravessando os trilhos para o lado do Mississippi Bar, os gaúchos da Barba & Blues entoavam o que eles gostam de chamar de "blues de cima da Serra" — já que a banda é de São Francisco de Paula.
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O que rolou na segunda noite do Mississippi Delta Blues Festival
Foi também durante o show da formação serrana que outra vertente importante do gênero surgiu pela primeira vez na noite: um certo ocultismo que é a cara do blues. Para celebrar a lenda do pacto com o diabo feito pelo icônico guitarrista Robert Johnson (certamente a história mais reproduzida no meio do blues), o grupo levou ao palco do Mississippi Bar uma aparição do próprio "coisa ruim" em carne osso (na pele do mágico Ricardo Elias). Teve até uma sinistra bíblia pegando fogo (tudo de mentirinha, claro), performance que deu um molho interessante ao som contagiante da banda.
Quem também pendeu para o lado "mais maldito" do blues foi o paranaense Lucian Satan, uma das gratas surpresas da 12ª edição do MDBF. Carregando o peso da referência no próprio nome artístico, o homem-banda ganhou mais espaço para mostrar seu trabalho autoral no último dia de festival. Primeiro, ele incendiou o Folk Stage com uma performance completamente visceral e punk (rolou The Stooges, além de menções às gaúchas Sandina, clássico dos Replicantes, e Amigo Punk, hit da Graforréia Xilarmônica).
As composições próprias do músico fazem alusão a um universo ancestral, mas também carregam uma certa dose de humor. Nas letras, tem tranca rua, saravá, cachaça, galinha preta e por aí vai. Destoando um pouco do conceito alinhado dos blueseiros que vêm de fora ou do perfil virtuoese da maior parte dos instrumentistas que circula pelo MDBF, Lucian Satan parecia estar mais preocupado em passar sua mensagem primordialmente libertária e instintiva. No palco principal, quando abriu os trabalhos com uma rápida performance antes da atração principal da noite, alguém da plateia o chamou de Tim Maia (por causa do black power). Lucian Satan respondeu:
— Só se for o Tim Maia irracional.
Consagrados
O último dia de MDBF também serve para levar a outros espaços do festival artistas que estiveram no palco principal na quinta e na sexta. Assim, é mais fácil de perceber as diferentes facetas musicais que habitam em cada um. Headliner da sexta-feira, o norte-americano Slam Allen ficou mais próximo do público tocando na aconchegante Casinha, por exemplo.
Já o irlandês Gallie (que fez sua estreia no festival do ano passado) esteve no palco principal na quinta-feira e voltou neste sábado para tocar no seu habitat natural, o Folk Stage. Foi uma das apresentações mais harmônicas da noite, com o público inclusive cantando os sons autorais do cara, como o já hit Long May Your Days Be Gold. Vale destacar que ele brincou várias vezes com a plateia por conta das baixas temperaturas que atingiram Caxias neste sábado.
— Estou em casa — dizia, ao esfregar as mãos uma na outra no intervalo das músicas.
Dividindo palco com Gallie estava o amigo inglês Albert Jones que também tinha chamado atenção na programação da sexta.
Falando em parceria, também rolou uma das boas no palco Flor de Lis, dedicado às artistas mulheres. A diva Fran Duarte chamou a cantora Tatiéli Bueno (da vertente mais regional da cena caxiense) para homenagear outra figura feminina importante.
— Ela foi a voz dos sem voz — introduziu Fran Duarte antes de puxar Solo Le Pido A Dios, imortalizada na voz de Mercedes Sosa (cuja data de morte completou 10 anos em outubro).
No palco principal
Outra conexão musical interessante rolou no show do veterano pianista Luciano Leães, que levou a Banda Marcial do Cristóvão de Mendoza, uma das mais tradicionais de Caxias, para o palco principal do MDBF. Teve performance super animada dos músicos, inclusive no meio do público. Quem também desceu do palco foi o guitarrista norte-americano Keith Johnson. Conhecido como The Prince of The Delta Blues, o jovem artista mostrou muita simpatia e interação com o público, esbanjando desenvoltura de sobra com a guitarra e com a harmônica. Já a atração principal da noite, a cantora Diunna Greenleaf levou ao palco outra vertente do blues, a vinda do Texas. Com um figurino sem grandes pompas, ela ganhou o público assim que abriu o vozeirão e fechou a noite espalhando "quentura" na fria noite caxiense.
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