O Centro de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho, em Caxias, é uma janela metafórica que interliga passado e futuro. Soa complexo, mas é simples. Esse prédio cuja cor transita entre o vermelho desbotado e o rosa, já esteve impregnado de tinta amarela e carregava a história da uva e do vinho da antiga Vinícola Antunes.
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Fundada em 1865, em Porto Alegre, a empresa abriu a sede de Caxias em 1910, no mesmo ano da chegada do trem à cidade. O pavilhão reformado que virou Centro de Cultura era um dos prédios menos imponentes. O complexo contava com quatro pavilhões no total. Os prédios mais importantes pela arquitetura e funcionalidade da Antunes, foram destruídos. Em um destes pontos que deixou de existir, foi erguido o Fórum de Caxias.
Avançamos na linha do tempo e chegamos a outubro de 2019. No Centro de Cultura há apenas resquícios da vinícola portuguesa que deixava italianos verdes de inveja na época. Hoje, a Antunes virou pano de fundo e contexto histórico para entender parte da história de Caxias. Mas desde 2001, quando a prefeitura reconquistou o espaço, revitalizou o entorno e estabeleceu ali o busto do doutor Henrique Ordovás Filho, tudo o que é revisão do passado e ensaio presente, é, na verdade, arsenal de esperança de um futuro para sempre efervescente e cultural.
Morto em 1998, Ordovás renasceu batizado como nome do Centro Cultural que é ainda visto como a nossa Usina do Gasômetro, em uma referência ao complexo porto-alegrense, inaugurado em 1991. Para o jornalista, poeta e mestre em literatura, Dinarte Albuquerque Filho, 55 anos, a revitalização da Cantina Antunes é uma ação muito simbólica para Caxias.
— Depois de anos abandonado, quase destruído, há de se reconhecer que a mobilização pela manutenção do prédio representou um passo gigantesco na ampliação da consciência preservacionista da população de Caxias, que havia perdido para as chamas e o descaso o prédio do Cine Ópera menos de 10 anos antes, que incendiou exatamente na madrugada de 24 de dezembro de 1994.
Entre o passado remoto e o quase presente
Para entender como é que Caxias, tão conhecida por assistir ruir a sua história, entrou na luta por manter de pé o que ainda restava da Vinícola Antunes, é preciso acessar um passado remoto. É curioso entender como a história se repete de tempos em tempos, o que torna ainda mais urgente colocar tudo à claras. Se hoje, Caxias tem a Maesa como uma incógnita, flertando entre o sonho e o delírio, entre a esperança e o pesadelo, nos anos 1980 esse fantasma pairava sobre o complexo da Antunes.
— Esse espaço da antiga Cantina Antunes já tinha sido negociado desde a década de 1980, ainda no governo do Victorio Trez (prefeito de Caxias por dois mandatos, 1969-1972 e 1983-1988) e então acabou vindo para o município para ser utilizado pela comunidade — revela Tadiane Tronca, secretária Municipal da Cultura entre 1998 e 2004, explicando que por conta da falência da empresa, esse espaço foi disputado pelo poder público municipal junto à União.
Isso nos leva a entender que Caxias poderia ter tido um centro cultural antes ainda do incêndio do Cine Ópera. A condicional "se", não nos leva a lugar nenhum, felizmente, apesar dos descaminhos da vida, Caxias optou não apenas por manter de pé o prédio da antiga Cantina Antunes, mas estabelecer ali um centro cultural.
— Quando o Pepe Vargas assumiu, em 1997, uma das primeiras coisas que ele fez foi lutar para que as pessoas que estavam ocupando o prédio da Antunes, de forma irregular, saíssem. Porque esse espaço iria ser destinado para a Cultura. Creio que os dois fatores fundamentais para isso foram vontade política e competência. Quando falo em vontade política, é porque havia um entendimento de governo de que a cultura tinha importância. Haviam outras prioridades, mas a Cultura disputava seu espaço e era tratada pelo prefeito de forma igual às demais secretarias — defende Tadiane Tronca.
O investimento na reforma e para equipar e aparelhar o Centro de Cultura Ordovás foi de R$ 1,183 milhões, o equivalente a $ 408 mil dólares. Se fosse hoje, convertendo-se para o valor da moeda americana cotada a R$ 4,07, o investimento teria sido de R$ 1,660 milhão.
— Nosso plano era fortalecer a cultura na cidade. Queríamos fazer algo importante para que as pessoas tivessem uma melhor qualidade de vida, gerando conscientização através da arte e da cultura. Conseguimos entre 10% a 15% da obra através de leis de incentivo a Cultura e o restante através de recursos aprovados pelo Orçamento Participativo — revela.
Tadiane reconhece que o Centro de Cultura Ordovás foi livremente inspirado na Usina do Gasômetro, também um projeto do PT, no caso, para a cidade de Porto Alegre.
— Tiveram dias em que o Centro de Cultura tinha sete ou oito atividades acontecendo ao mesmo tempo.
No final do segundo mandato, Tadiane Tronca conseguiu viabilizar a inauguração do Acervo Municipal de Artes Plásticas (Amarp), no prédio anexo ao Ordovás, que originalmente não fazia parte do complexo da Antunes. Atualmente, o espaço acolhe o Teatro Valentim Lazzarotto.
— Queríamos viabilizar esse acervo, que já existia na cidade, mas de maneira informal. Porque tinha obras que deveriam estar no acervo espalhadas, tinha até no gabinete do prefeito, decorando a sala — observa Tadiane.
Transição entre o passado e futuro
Passam-se 18 anos, e o Centro de Cultura Ordovás segue de portas abertas à comunidade. Nessa transição entre passado e futuro, é importante frisar o presente. Em 2018, segundo informa a diretora do Centro de Cultura Ordovás, Claudete Travi, passaram quase 25 mil pessoas pelo espaço.
O desafio, no entanto, é revitalizar entorno, a começar pelos jardins e sensibilizar a comunidade do entorno para que frequente o Ordovás. Um dos ajustes, desde que assumiu a direção do espaço, foi recolocar o Memorial Antunes em exposição permanente e realizar encontros com a comunidade para rememorar a história da vinícola. A iniciativa tem sua segunda edição neste sábado, dia 5 de outubro, chamada de Roda de Conversa: Memórias da Antunes Ontem e Hoje, e se inicia às 14h.
Para comemorar a dita maioridade do Centro de Cultura Ordovás, revela o atual secretário municipal da Cultura Joelmir da Silva Neto, estão programadas apresentações musicais, junto ao Zarabatana, entre os dias 9 e 13 de outubro (confira a programação a seguir).
— Alguns artistas já tocaram no local e outros será a primeira vez. Também estamos trabalhando no projeto de revitalização dos espaços externos do Centro de Cultura, como o intuito de valorizar e melhorar todo o entorno do prédio do Centro de Cultura — observa Joelmir, que concedeu entrevista por e-mail.
Para o secretário, o Ordovás é um dos melhores espaços da Secretaria, na questão estrutural.
— O Centro de Cultura Ordovás já é um espaço consolidado para um grande público. Portanto, o objetivo principal é trabalhar para que mais pessoas conheçam e se apropriem desse espaço e possam usufruir de toda a sua infraestrutura e programação que ele oferece. E também ampliar a utilização do Ordovás nos finais de semana, sobretudo aos domingos, quando as opções gratuitas de lazer são escassas em Caxias do Sul — defende Joelmir.
Há uma série de planos de ações para o Ordovás, antecipa o secretário.
— Estão planejadas ações que ampliem a participação de públicos diferentes, principalmente com os alunos das três redes de ensino e comunidade do entorno, como: o projeto de visitas mediadas, que já está em funcionamento desde maio deste ano, um projeto de visitas turísticas sob agendamento, que foi lançado em agosto. Teremos ainda a 1ª Festa do Livro Infanto-juvenil, em abril. Vamos dar sequência ao projeto Música no Jardim (a 1ª edição de Primavera, foi realizada dia 29 de setembro) e as demais ocorrerão no início das outras estações. Vamos estrear dia 13 de outubro, o projeto Antiguidades no Ordovás, que seguirá uma vez por mês.
Mais uma ação que pretende ocupar os jardins do Ordovás e ser a opção de lazer e cultura, principalmente aos domingos, defendida por Joelmir, está o projeto Ordovás Sunset.
— Na próxima semana, será aberta uma convocatória para grupos de música para o projeto Ordovás Sunset, que acontecerá todos os domingos do verão, com início no dia 5 de janeiro de 2020 e seguirá até o dia 22 de março, sempre nos jardins do Ordovás, no fim da tarde.
Dr. Henrique Ordovás Filho
Olhar de candura, coração amável e benevolente, voz da justiça social, e altruísmo. E tudo mais que se disser será indexado a uma visão de mundo à esquerda e humanista. Essa é a essência da vida e obra do doutor Henrique Ordovás Filho (1919-1998), preso político (foram 29 dias de cárcere privado) e vereador cassado em 20 de abril de 1964, poucos dias depois do golpe militar.
Conforme recordou ao Pioneiro, em entrevista publicada em 1997 a esposa Reny Damin Ordovás (falecida em 2016), a detenção marcou a família para sempre.
— Era 1h da madrugada quando um senhor bateu à porta de casa. Vinte minutos depois, 12 oficiais armados de metralhadoras chegaram para buscar o que a gente tinha.
O doutor Ordovás graduou-se em medicina em 1946. É o responsável pela fundação da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), a segunda do Brasil, inaugurada em 1957. Na sequência, ele inauguraria ainda outras sete pela região.
Em 2015, uma cerimônia na Câmara de Vereadores marcou a devolução simbólica dos mandatos dos vereadores cassados 51 anos antes, entre eles, o doutor Ordovás. Em 31 de dezembro de 1981, receberia o título de Cidadão Caxiense da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, um reconhecimento ao trabalho filantrópico desenvolvido na Apae.
Em 1998, quando Ordovás faleceu, o então prefeito Pepe Vargas decretou luto oficial de três dias. "Sua conduta médica foi exemplar, ele nunca colocou a parte financeira acima do paciente", disse Pepe à época.
Na sequência, o Centro Municipal de Cultura recebeu o nome de Dr. Henrique Ordovás Filho. O médico também recebeu um busto na entrada do espaço, esculpido pelo amigo Bruno Segalla. Na placa comemorativa está a citação: "Não me esperem para a colheita, pois estarei sempre plantando".
Confira a seguir a programação de aniversário do Centro de Cultura Ordovás:
5 de outubro
14h às 17h - 2ª Roda de Conversa: Memórias da Antunes Ontem e Hoje (Em Frente ao Memorial)
17h - Teatro Era outra vez (Sala de Teatro)*
19h30min - Filme Bacurau (Sala de Cinema)**
6 de outubro
19h30min - Filme Bacurau (Sala de Cinema)**
9 de outubro
20h - Show Banda Blues Vens (Zarabatana Café)
10 de outubro
15h - Cinema Filme Lady Bird (Sala de Cinema)
19h30min - Filme Bacurau (Sala de Cinema)**
21h30min - Show Beto e suas Máquinas (Zarabatana Café)
11 de outubro
19h - Exposição Amorfo de Jan Moraes Oliveira (Galeria de Artes)
19h30min - Filme Bacurau (Sala de Cinema)**
20h - Contrapontos - Coro Juvenil do Moinho - Especial de Aniversário dos 18 anos do Ordovás (Sala de teatro)***
21h30m - Show Pablo Lucena (Zarabatana Café)
12 de outubro
14h às 18h - Festival Téti - Especial Dia das Crianças (Jardins do Ordovás)
19h - Cia. Municipal de Dança - Dança Urbana (Entrada sul do Ordovás)
19h30min - Filme Bacurau (Sala de Cinema)**
21h30m - Show Seresteiros do Luar (Zarabatana Café)
13 de outubro
9h às 17h30m - Estreia do evento Antiguidades no Ordovás (espaço externo)
17h - Show com William Monteiro (Zarabatana Café)
19h30min - Filme Bacurau (Sala de Cinema)**
As atividades são gratuitas, à exceção da peça de teatro Era uma vez, ingressos a R$ 20, meia entrada, R$ 10, da exibição das sessões de Bacurau (**), ingressos a R$ 10. Meia entrada R$ 5; e o espetáculo Contrapontos (***), ingressos a R$ 10.
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