O velho e bom Timóteo era um poeta em sua essência. Mas a poesia que perpetrava era diferente da dos tradicionais poetas de papel e tinta de seu tempo (hoje, de teclado e visor, porque o poetar também busca rimar com o avanço das tecnologias). Ninguém se lhe igualava na maneira de expressá-la, tampouco alguém lhe detectava a poesia ou a compreendia. Era, portanto, um poeta d´alma anônimo e incompreendido, como tantos que a História do mundo já forjou, e nisso (talvez só nisso) se igualava a esses incontáveis tantos. Timóteo era jardineiro, cuidava com esmero do imenso jardim pertencente à Sinhazinha na fazenda, e esse jardim era a folha em branco na qual tecia sua obra poética, composta por estrofes de flores, versos de arbustos, rimas de cores, decassílabos de pétalas, sonetos de perfumes. Não havia igual.
Timóteo era um escravo alforriado com o advento da Lei Áurea, no crepúsculo do século 19. Como se afeiçoara aos patrões, ao local, ao costume da lide e ao jardim (sobretudo ao jardim), e como, afinal, não sabia fazer outra coisa e nada conhecia do mundo além da porteira principal da fazenda, decidira, como muitos outros ex-escravos, ficar. Permaneceu cuidando do jardim de Sinhazinha, cujo silêncio rimava com seu próprio pouco falar, cuja delicadeza das flores rimava com a sensibilidade afinada de sua alma poética. Timóteo conversava com suas flores e atribuía a elas significados que só ele compreendia, por meio das quais pontuava os acontecimentos da fazenda e endereçava recados a seus habitantes. Um ramalhete contendo determinadas espécies florais, deixado à mesa sobre o prato de algum dos patrões, podia conter uma bênção, um aviso, uma censura, um lembrete, em uma linguagem velada aos que não eram íntimos das nuances jardinais.
Quem nos brinda com a história do poético amante das flores é o escritor Monteiro Lobato (1882 - 1948) em seu conto “O Jardineiro Timóteo”. Se inspirado em personagem real ou se puro fruto da imaginação do autor, é coisa que não se sabe e que pouco importa. Para fins de efeito humano, Timóteo cai como um buquê perfumado que nos ensina (ou nos convida) a conferir poesia aos aspectos singelos da vida, estando ela ao alcance do toque sensível da alma dentro mesmo dos limites de nossa prosaica existência cotidiana. Timóteo soube ressignificar a história de sua vida de jardineiro por meio do exercício de uma poesia que lhe vinha da alma e lhe iluminava os dias. É do simples que ela brota, afinal de contas. E tal qual um delicado botão de rosa, ao desabrochar, pode reformatar um universo.