A vida é um sopro. E sempre há um certo imprevisto para nos desviar dos nossos sonhos. Quando percebemos lá se foram 30 ou 40 anos e pensamos: “Ah, antes dos 60 eu resolvo isso”. Aí, na virada dos 60 para os 70 uma voz ecoa dentro de nós: “Será que vai dar tempo?”. Sempre há esperança, a não ser que uma enfermidade resolva antecipar-se e bater à porta.
Pelo menos é isso que nos provoca à reflexão a animação Up - Altas aventuras, exibida na última terça-feira, em uma sessão especial, com 80 idosos, da Associação Caxiense de Atenção ao Idoso (SCAN), Associação Jesus Senhor e Lar da Velhice São Francisco de Assis. A ação foi promovida pelo Instituto Sérgio Lovato.
Carl Fredricksen e Ellie formam um lindo casal. São os típicos vovozinhos que os netos carinhosamente chamam de fofinhos. Mas o sonho de curtir altas aventuras é sempre protelado, porque há sempre algo mais prioritário que aparece. Ou é a oportunidade de comprar um carro novo, ou é a reforma da casa, ou o desastre de uma árvore que resolve cair sobre o telhado. E o sonho voa como aqueles balões de gás hélio que as crianças deixam escapar e desaparece de vista em segundos. Quando Carl e Ellie perceberam, a vida esvaiu-se. Carl perdeu Ellie e só então decidiu fazer a tão sonhada viagem.
Na plateia da Sala de Cinema Ulysses Geremia (Centro de Cultura Ordovás), em Caxias, havia um senhor magro, esguio e com um bigode fininho e grisalho, que usava uma boina cinzenta. Levir Demuti Dias nasceu em 1925, no mesmo ano em que ocorreram os lançamentos de dois clássicos do cinema mundial: Em Busca do Ouro, de Charles Chaplin e O Encouraçado Potemkin, de Sergueï Eisenstein. Levir era um dos mais atentos às aventuras de Carl e o escoteiro Russell, talvez porque assim como o protagonista, ele viu a morte bater à sua porta e levar sua esposa.
– Fui casado por 62 anos, tenho um filho só. Estou viúvo desde 2010 – revela, com voz mansa e serena, aos 94 anos.
Mais importante do que falar sobre o filme, seu Levir queria explicar como ele tem ajudado aos novos amigos que fez no Lar da Velhice.
– Tem muitos que precisam de ajuda até para tomar banho. Mas eu não, eu sou tão independente que eu ajudo os outros – diverte-se.
Na fila da pipoca, que foi distribuída ao término da sessão, a bem humorada Dorvalina Visserini perguntou se a foto dela ia sair no jornal. Respondi que sim.
– Ah, quero só ver hein!? – disse, Dorvalina, 83 anos, estampando um doce sorriso.
– E o filme, o que a senhora achou?
– Ah, eu gostei muito. Fazia muito tempo que eu não vinha ao cinema. Pra mim o melhor do filme é o gurizinho (Russel, escoteiro, de 8 anos), arteiro que só pra ver. O vovozinho passou muito trabalho com ele. Mas sabe que não vi o final? – revelou, desapontada.
– Por que, não?
– Eu fui ao banheiro bem na hora. Mas tudo bem... – disse, resignada.
Enquanto a fila da pipoca só aumentava, um casal chamava a atenção. Estavam tão ligados um no outro, com olhares de carinho e zelo, que sequer olhavam para o lado. Durante a sessão estavam de mãos dadas, e lá fora seguiam assim, apaixonados. Francisco Damin, 75, e Ledir Sartori, 65, conheceram-se há alguns meses no Lar da Velhice e é como se Deus lhes tivesse acrescentado alguns anos a mais de vida. A morte pode até aparecer sorrateira e enterrar sonhos. Mas o amor sempre brota, mesmo em terra árida, porque a vida tem pressa. Afinal de contas, o amor é o fôlego de vida.
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