Na telinha da tevê, um grande sofá abriga uma mulher com figurino glamouroso, que sustenta brincos grandes, muito brilhosos e tem cabelos loiros penteados ao estilo das divas de décadas anteriores. Sempre sorridente, ela comanda conversas animadas, distribui selinhos e chama seus convidados pelo carinhoso apelido de "gracinha".
A descrição acima é simplista, porém, ainda a mais presente no imaginário popular dos brasileiros quando o assunto é Hebe Camargo. Levar a memória da apresentadora a outros patamares (envolvendo questões ideológicas e vida pessoal) é a proposta do filme Hebe - a Estrela do Brasil. O trabalho foi exibido no Brasil pela primeira vez na quarta-feira à noite, durante mostra competitiva de longas brasileiros no Festival de Cinema de Gramado, e apresenta Hebe como uma figura potente e política.
— Gostei de descobrir a mulher que ela era, com todas as vitórias, com todos os fracassos, com as inseguranças, com as alegrias. Foi muito interessante descobrir uma pessoa inteira — apontou Andréa Beltrão, que aceitou o desafio de viver a diva nos cinemas.
Com estreia nacional prevista para o dia 26 de setembro, o longa com direção de Maurício Farias faz um recorte da vida de Hebe na década de 1980, quando seu programa era alvo constante da censura. Paralelo a isso, a apresentadora também enfrentava dramas pessoais no casamento. O marido, vivido por Marco Ricca, é um homem ciumento que protagoniza um relacionamento abusivo com Hebe, oscilando momentos de extrema fofura com surtos violentos. Caracterizada no filme com idade próxima dos 60 anos, a apresentadora demora mais para entender que não quer mais ser comandada por um homem em casa do que para bater de frente com censores da ditadura na tevê aberta.
Hebe - a Estrela do Brasil traz dois gritos de liberdade da apresentadora. O primeiro, bem pessoal, é o grito da mulher que não quer mais ter a vida controlada por um homem. O segundo é público, com a apresentadora transformando seu programa ao vivo na tevê aberta numa espécie de palanque para afrontar a censura com assuntos como Aids e homossexualidade.
— Escolhi mostrar este momento de explosão e de transformação dela, quando ela deixa de ser boneca e passa a ter voz. Trabalhamos no roteiro há quatro anos, mas agora o filme ganhou outro sentido diante das transformações recentes pelas quais o país está passando — disse a roteirista Carolina Kotscho, também reconhecida pelo roteiro do longa 2 Filhos de Francisco.
O filme ganha com a escolha por não apresentar a vida toda de Hebe Camargo na telona, o que poderia ser um pouco cansativo. O recorte proposto reforça o diálogo da história com o momento atual do Brasil. Ambientada a partir de 1985, a obra apresenta um Brasil que se abre após anos de regime militar e ditadura. Mesmo identificada com posicionamentos de direita — era apoiadora de Maluf —, a Hebe do filme serve como propulsora de questões que estão novamente em voga, como a defesa pelas minorias e a valorização da democracia.
— Ela (Hebe) é a prova de que defender o que é certo não é questão ideológica, mas de caráter — opinou a roteirista.
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