Afora uma ou outra alfinetada de Ivanir Gasparin, presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC), de Caxias do Sul, principalmente no que diz respeito a dois temas espinhosos do governo Daniel Guerra, a inércia quanto ao encaminhamento da Maesa e a crise de identidade cultural de Caxias, que não sabe mais se é Região das Hortênsias ou da Uva e do Vinho, tudo seguia conforme o protocolo. Até que o rapper Chiquinho Divilas, empunhando o microfone, deu o tom: "DJ, sobe o som".
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Na batida do rap, ao som do acordeon de Rafael De Boni, Chiquinho atravessou o restaurante da CIC recitando versos que casariam perfeitamente com o tom do discurso da secretária estadual da Cultura, Beatriz Araujo, convidada da reunião-almoço de segunda-feira, dia 29 de julho. O projeto RAPajador tem ecoado com bravura na Serra, por conta de mesclar a influência do cancioneiro gaúcho, mais a trova de gente como Jayme Caetano Braun, na cadência e verbo do rap.
Chiquinho empunhava o microfone como se fosse uma arma, da qual fluem versos da guerrilha urbana que nasceu para a defesa da cultura contra o corte de verbas do Financiarte, ação do governo Daniel Guerra, através da Secretaria Municipal da Cultura, de enfraquecimento do setor. Ironicamente, as mesmas frases agora servem para endossar um projeto da Secretaria Estadual da Cultura, do governador Eduardo Leite. São formas dissonantes de ver, perceber e assimilar a cultura.
Quem disse que cultura não é saúde/ Quem foi que disse que cultura não é educação/ A levada da batida, letra e melodia, salvou mais um moleque da periferia, canta Chiquinho, como quem revela a sua cura através do rap, que é só uma faceta artística de uma das dezenas de matizes culturais.
A cena se encerra com o som da batida do rap reverberando, já não se ouve mais o ruído dos talheres deslizando nos pratos, apenas aplausos calorosos, puxados pela secretária Beatriz Araujo, que literalmente quebrou o protocolo (mais uma vez nesta manhã), não apenas para abraçar ao Chiquinho e posar para a foto ao lado do rapper, mas para declarar:
— Sou tua fã! Já te conhecia de te ver na revista.
E pensar que no início dos anos 2000, um jovem da periferia que tinha atravessado muros e muros de contenção para conseguir alcançar um lugar na universidade, fazia bicos de garçom na CIC para conseguir pagar o curso de Relações Públicas na UCS. Esse mesmo cara, na manhã de ontem, entrou pela porta da frente, carregava crachá de convidado, sentou à mesa para almoçar e recebeu toda a atenção de quem estava lá para referendar seu voto a favor da cultura nessa cruzada contra a ignorância e a violência. Em segundos, décadas passaram diante dos olhos de Chiquinho.
Na plateia, empresários, políticos, policiais, produtores culturais e artistas, muitas vezes vistos como marginais, reconheciam, ao final da reunião-almoço, que é preciso atravessar fronteiras de preconceito para que a sociedade prevaleça.
— Não se pode brigar com a cultura de um povo. Caxias já foi Capital Brasileira da Cultura e Capital Mundial do Gauchismo, por causa da quantidade de CTGs (Centros de Tradição Gaúcha). E hoje? Eu pergunto: "Onde está o nosso orgulho por esses dois títulos?". A cultura tem sim papel importante, mas não só do Estado, também dos empresários — defende Ivanir Gasparin, presidente da CIC.