Leia o texto da professora da Universidade de Caxias do Sul e Doutora em Artes Visuais, Silvana Boone, sobre a arte urbana pelo mundo.
Quando você escuta a palavra arte, qual a primeira ideia que vem à cabeça? A arte geralmente está associada aos conceitos mais remotos da sua própria história, às obras que estão guardadas e expostas em museus e vendidas em galerias, que de certa forma, têm acesso restrito aos simples mortais como nós. Mas quando se fala de arte urbana, o domínio parece tornar-se público. Se é público, é democrático e se democrático, deveria ser de todos, não?
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O termo arte urbana pode ser um amplo guarda-chuva conceitual para diversas manifestações artísticas que acontecem na rua, como a performance, as interferências artísticas, as instalações, os mosaicos, a pintura mural, o grafite, os lambe-lambes e a pichação. Desde os anos 1960, a partir de ações ocorridas principalmente em cidades como Berlim e Nova York, a arte urbana caminha de forma paralela ao que oficialmente se constitui como ARTE.
A notoriedade de alguns artistas americanos, naquela época, como Jean Michel Basquiat e Keith Haring deram à rua o status de galeria a céu aberto. E no processo de institucionalização de algumas das manifestações urbanas, museus e galerias incorporaram às suas coleções obras de artistas como o britânico Banksy e a dupla brasileira Os Gêmeos. Espalhadas pelo mundo são obras facilmente reconhecidas por quem entende de arte e, principalmente, por aqueles que percebem a rua como uma grande tela que se transforma a cada dia, no movimento do ser "urbano".
A cidade de Nova York é referência para toda e qualquer forma de arte. Nela estão alguns dos principais museus do mundo, exibindo desde a arte pré-histórica vista no Museu Metropolitan até a produção mais recente, em exibição neste momento, na Bienal de Arte Contemporânea 2019, do Museu Whitney. Mas ao cidadão comum, que nem sempre se desloca para os museus na sua trajetória cotidiana, é na rua onde acontece o diálogo estético.
Desde os artistas populares que vendem suas obras em banquinhas no Central Park aos artistas consagrados de diferentes partes do mundo, o cidadão tem a oportunidade de escolha ao alcance dos seus olhos. Neste cenário, interferem na cena urbana da Big Apple, artistas como o brasileiro Vik Muniz com mosaicos criados especialmente para uma das mais novas estações de Metrô, vistos diariamente por mais de 200 mil pessoas, ou o americano Jeff Koons que inflou uma bailarina de plástico de 14 metros de altura diante do imponente Rockfeller Center. Ou jovens artistas e os coletivos de arte que ganham espaço na High Line e ali mesmo, as frestas nos prédios fazem entrever paredes pintadas ou pichadas por artistas que conduzem os transeuntes a espiar a vida entre as estruturas arquitetônicas, como um oásis de cor rasgando o cinza concreto.
Então, na rua, pintura mural, grafite, pichação, sem restrições ao gênero que se apresenta, são as linguagens da arte que competem com a excesso visual que a publicidade manifesta. Sujeira urbana, aérea, no chão, nas paredes, nos terraços? Nada disso: manifestações que dão o tom da cidade mais cosmopolita do mundo.
A cidade que nunca dorme recebe os artistas que também não dormem, e na calada da noite, subvertem a ordem pública. Nada que uma multa não resolva o problema, se o artista for detido, não é mesmo? Porque em cidades civilizadas, apesar das intervenções urbanas poderem ser consideradas crimes, entram numa escala mínima de importância ao que se considera, muitas vezes, vandalismo ou depredação de patrimônio. Passam longe da humilhação, da detenção e da punição que o serviço público de cidades atrasadas no tempo continuam impondo à sociedade.
Alguém vai preso em NY por grafitar ou pichar as ruas? Geralmente, não. Multas em média de $75,00 dólares dão conta do "prejuízo" causado ao patrimônio público. A prefeitura incentiva as manifestações urbanas, afinal, a cidade que recebe gente do mundo inteiro, o tempo todo, proporciona leituras inúmeras do seu próprio espaço. Outro dado importante: NY tem lugares próprios para serem grafitados, mas se o projeto do artista não cabe ali, o risco é livre, e pode até ocorrer a detenção, mas dois dias de trabalho comunitário resolvem o caso.
Um pouco distante de Nova York, estas informações chegam a nós o tempo todo através das tecnologias instantâneas. E se isso acontece lá, e funciona, porque não seguir bons exemplos? Caxias do Sul não é NYCity, nunca vais ser. Mas poderia se inspirar na cidade que enche os olhos do mundo, a cidade que abraça os artistas, da rua ao museu, a cidade que se orgulha da sua existência em todas as instâncias da arte.
Para Banksy, um dos artistas de rua mais conhecidos - ironicamente, de identidade desconhecida - "better out than in" , ou seja, melhor fora do que dentro. A rua é a grande galeria, é a tela preparada para a exposição da vida real. Será mesmo?
Fora da caixa:
Após visitar Nova York por nove vezes, prestes a embarcar na semana que vem pela décima vez, com a Missão Acadêmica Internacional Arte NY/UCS, me questiono sobre como tornar Caxias numa cidade mais viva, porque o espaço urbano pertence a todos. Como é possível fazer com que os cidadãos caxienses se questionem sobre a legitimidade da abordagem recente da guarda municipal ao artista Lucas Leite e sua encantadora personagem Elichat? Perdemos a oportunidade de ter um pedacinho da civilidade americana na Pérola das Colônias... Como entender que a cidade prefere o chão sujo, ao trabalho carinhoso de um artista que adotou Caxias do Sul como seu lar e acaba sendo preso, como um bandido comum que presta um desserviço à cidade? Incompreensível. #triste.
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