De que vale dizer que um cidadão é neto de Gilberto Freyre (1900-1987)? Depende o contexto. Para alguns não faz nenhum sentido, porque o nome é tão vago quanto desinteressado. Para quem conhece e tem interesse pela história do Brasil, a simples citação de Gilberto Freyre faz levantar mil gerações póstumas. Segundo um dos intelectuais mais importantes do Rio Grande do Sul, Antônio Hohlfeldt, patrono da 53ª Feira do Livro de Porto Alegre, em 2007:
— A diversidade do Brasil é o que faz o brasileiro. E isso se deve a Gilberto Freyre — referenciou Hohlfeldt, ao dar boas-vindas a Gilberto Freyre Neto, atual secretário da Cultura de Pernambuco, durante o 3º Congresso Estadual da Cultura, realizado em Bento Gonçalves, entre os dias 15 e 17.
Freyre, o avô, é apenas um dos maiores intérpretes da formação histórico e social do Brasil, e autor de Casa-grande & senzala (1933). Freyre, o neto, recebeu o desafio de conduzir a já consolidada política cultural, em Pernambuco, muito por causa do trabalho que tem exercido na Fundação Gilberto Freire.
Mas o que fez ou deixou até agora de legado é um bom passaporte para o cargo, mas não lhe garante o futuro. Entre os desafios da gestão está a ampliação do recursos para a cultura através de uma parceria com a inciativa privada em um fundo chamado de Mecenato.
Leia a seguir, a entrevista concedida com exclusividade, por conta do Congresso Estadual de Cultura, realizado em Bento Gonçalves, entre os dias 15 e 17 de maio.
Almanaque: Qual tem sido sua impressão da realidade que se encontra o Rio Grande do Sul quanto à gestão da Cultura?
Gilberto Freyre Neto: Pelo que eu percebi, estão discutindo o sistema de financiamento e de fomento de ações culturais, que também são assuntos que estão na tônica de Pernambuco. Talvez a visão daqui, em relação ao que Pernambuco tem feito, tem a ver com a maturidade da nossa proposta de financiamento. É uma proposta que nasce em 1993, passa por um período de maturação, e nos anos 2000, passa pela criação do novo sistema de financiamento, com a criação do Funcultura, que tem um conselho que analisa os projetos e os melhores são beneficiados com recursos públicos, que se alimenta mês a mês com transferências orçamentárias do governo do Estado.
Qual é o recurso que o governo destina diretamente ao Funcultura?
O orçamento para este ano é de R$ 32 milhões. Se pegar só o edital do audiovisual, os recursos do Fundo de Incentivo à Cultura representam R$ 10 milhões e você tem mais um aporte do Fundo Setorial do Audiovisual, do governo federal, que estava até a pouco tempo paralisado, de mais R$ 15 milhões. Então, se somar os R$ 32 milhões mais os R$ 15 milhões, nessa transação fundo a fundo, disponibilizamos R$ 47 milhões.
Quantos projetos são atendidos?
São apresentados anualmente 2 mil projetos, em diversos editais, desde um mais geral, até outros mais específicos, como é o caso de música e audiovisual. Em média, temos aprovados cerca de 400 projetos por ano, cerca de 20% dos apresentados.
O senhor acredita que a pasta da Cultura está acima das questões político-partidárias?
Eu vou dizer que sim, porque este modelo está posto há mais de 15 anos. De 2000 para cá, por exemplo, tivemos três governos estaduais diferentes e o sistema tem se mantido.
Como foram superados esses entraves históricos?
A partir dos organismos que representam produtores, com colegiados, coletivos, sindicatos, enfim, uma plêiade de organizações e diálogos que aconteceram em diversos momentos, por diferentes ciclos políticos. Temos um ciclo de escutas de 10 anos, que nos faz pensar em metas e estratégias para o futuro. Tem ainda desdobramentos em planos estaduais de literatura, cinema, teatro, que são postos em evidência para buscar essas metas. E, isso tudo, passa ao largo da governança política. Chegou-se a um ponto de convergência em que os interesses da cultura estão cima dos interesses políticos.
Então, em Pernambuco não se conjuga o verbo contingenciar?
O Funcultura de Pernambuco não tem contingenciamento. Porque a maturidade das partes envolvidas faz com que se chegue a este entendimento. Tanto que neste ano ainda vamos estabelecer um novo fundo, o Mecenato.
Como vai funcionar?
Por exemplo, dentre 30 ou 40 projetos já aprovados, o empresário vai escolher um e investir, através de renúncia do ICMS. O Estado vai reconhecer esse interesse da iniciativa privada e vai transferir o dinheiro para o produtor cultural. Através do investimento no Mecenato, existem contrapartidas a mais para o empresário, com percentuais de 10%, 15% e 25%, que ele vai depositar no CredCultura.
O CredCultura, para se entender bem, é um banco da cultura de Pernambuco?
O ICMS vai para o fundo do Mecenato, alimenta o projeto, e conforme o tipo de proposta que o empresário investir vai dar uma contrapartida maior que será depositada no CredCultura. O ICMS vai capitalizar o Mecenato e a contrapartida da empresa vai capitalizar o CredCultura, que poderá ser acessado pelos artistas, por exemplo, para o seu giro de capital, antecipando a bilheteria de um espetáculo, com financiamento a juros baixos.
E dessa forma vocês resolvem um possível entrave futuro de falta de investimento do Estado para o setor...
Sim, porque o estado não consegue investir muito mais do que já tem investido. Há 15 ou 20 anos nossa estratégia era criar uma cultura que se chamava financiamento público. Hoje, além da maturidade da ideia, podemos avançar a ponto de inserir a iniciativa privada para alavancar esse sistema.
De que forma vocês trabalham as festas popular, de caráter até mais folclórico?
Em Pernambuco, temos ciclos de cultura imaterial, o Carnaval, o das Paixões (Semana Santa), São João, Festival de Inverno, organizado pelo governo há 30 anos, e temos o Natal. São todos ciclos contínuos, termina um e já começa a organização e produção do outro. Imaginamos que o Mecenato venha a atender esse mercado dos ciclos de festivais, porque têm muito apelo popular e isso é um chamariz muito grande para as marcas.
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