Os troféus pendurados na parede da garagem atestam a criatividade do grupo de amigas da localidade Linha Fernandes Lima, interior de Monte Belo do Sul. A cada dois anos, elas se permitem desligar um pouco da lida na roça para dedicar-se ao artesanato coletivo, cuja matéria-prima não é palha, nem cerâmica: é a polenta. Neste fim de semana, elas irão defender o título do concurso de esculturas feitas à base do alimento típico da colônia italiana na 10ª edição do Polentaço, evento que põe à prova o talento dos moradores enquanto o público se delicia e se diverte.
Como em qualquer trabalho em equipe, há quem coloque a mão na massa _ ou melhor, na farinha _ e quem faça o trabalho intelectual. As ideias para as esculturas saem da mente criativa de Claudete Frizon, 58, bisneta de italianos que se instalaram na região no fim do século 19. A inspiração para as peças, que retratam cenas do cotidiano dos imigrantes, surge das memórias de histórias que ouviu na infância, sobre a vida nos primórdios da imigração.
— Minha avó dizia que a polenta era o principal alimento que eles tinham, principalmente nas épocas mais difíceis. Quando não havia outra coisa, ela repartia laranjas, colocava polenta dentro e distribuía para os filhos comerem — conta.
Mesmo que as condições de vida tenham melhorado, a mistura de água, sal e farinha de milho não perdeu espaço. Pelo contrário, continua sendo uma preferência não só pelo sabor, que traz a memória afetiva, mas por dar a força necessária para aguentar os dias mais puxados.
—Se tu comes pão no café da manhã, quando dá 10 horas tu já estás com fome e pensando no almoço. Agora, se come uma polenta, aguenta firme na roça até meio-dia — comenta Rosa Pasquali, 48, a mais jovem da turma.
As divertidas reuniões para imaginar e confeccionar as esculturas, acrescenta Claudete, são um momento de necessária descontração:
— A gente leva uma vida muito corrida, acorda logo que amanhece para ir pra roça. Aqui na comunidade, homem e mulher trabalham parelho. Esses momentos em que a gente consegue se reunir pra fazer as esculturas e dar umas risadas são muito importantes.
Bastante sal e bem cozida
É para demonstrar sua reverência ao alimento que sustentou a imigração que as comunidades monte-belenses se engajam na confecção das esculturas, cuja avaliação dos jurados leva em conta, além da originalidade, a consonância do tema com a cultura local. Mas não é por isso que as miniaturas se resumem a imitações de cachos de uva ou barris de vinho. Entre as que marcaram época no concurso destacam-se desde uma maquete do posto de saúde até um busto do padre José Ferlin, que dá nome à praça de Monte Belo do Sul, onde ocorre o Polentaço. Para facilitar o trabalho dos artesãos, o regulamento permite o uso de estruturas de madeira, argila ou outro material, que ajudem a sustentar as esculturas (um prêmio a parte é dado para a melhor peça feita apenas de polenta). Uma das cozinheiras do grupo da Linha Fernandes Lima, Ereni Ferro, 66, dá a dica para ter uma boa escultura:
— A polenta precisa estar bem cozida, para dar uma boa liga e não esfarinhar, e também ser preparada com bastante sal, pra evitar o mofo.
A 10ª edição irá contar com 30 esculturas, que poderão ser conferidas no salão paroquial, em frente à praça. A nota triste é que, por ficarem expostas durante o fim de semana, as esculturas, normalmente produzidas na véspera do evento, acabam sofrendo a ação do tempo e não podem ser degustadas.
Evento exclusivo da "capital da polenta"
— Acho que foi alguma luz divina.
Aos risos, o secretário de Turismo de Monte Belo do Sul e idealizador do Polentaço, Alvaro Manzoni, tenta explicar de onde tirou a ideia de inventar o concurso de esculturas de polentas, até onde se saiba uma exclusividade do município.
Manzoni conta que o Polentaço surgiu em 1996, como forma de tentar alavancar o turismo e dar um incremento à economia do município — à época recém emancipado de Bento Gonçalves —, valorizando um símbolo da imigração italiana que ainda não tinha um evento para chamar de seu. Logo na primeira edição, as comunidades foram convidadas a expor polentas decoradas, cobertas por frases ou desenhos. As esculturas foram uma evolução que originou o torneio logo na terceira edição, sendo um sucesso imediato. A disputa pela "Cagliera D'Oro", "Cagliera D'Argento" e "Cagliera di Bronzo", troféus que representam o caldeirão usado para fazer a polenta, é acirrada e gera uma rivalidade sadia entre os concorrentes.
— A cada edição a gente se surpreende com a originalidade das esculturas. É um esforço que mostra um carinho muito grande não apenas pela polenta, instituída por lei como o prato oficial do município, mas pela nossa festa — destaca Manzoni.
Com 2,5 mil habitantes, Monte Belo vê sua população triplicar durante os dias de polentaço. Com a movimentação, saem ganhando comerciantes, artesão e artistas como o próprio Manzoni, que integra o grupo musical Ragazzi Dei Monte, conhecido por suas versões de músicas folclóricas italianas (entre elas, é claro, "La Bella Polenta").
Uma polenta de 800 quilos
Nem só de esculturas se faz o Polentaço. Durante o sábado e o domingo, os visitantes podem provar diversas receitas feitas com polenta mole, frita ou brustolada (assada na chapa de ferro), curtir o divertido torneio de bocha e apreciar apresentações artísticas. O momento mais aguardado, contudo, é o tombo da polenta gigante. Trata-se de uma polenta de 800 quilos, cujo preparo leva seis horas e fica a cago de uma equipe especializada, contratada para o evento. A receita leva 125 quilos de farinha de milho, seis quilos de sal e três litros de óleo de soja, além de 600 litros de água.
Ao contrário do concurso de esculturas, a polenta gigante não é uma invenção monte-belense. Alvaro Manzoni conta que copiou a ideia de uma festa temática realizada em Venda Nova do Imigrante, no Espírito Santo. Lá se faz a maior polenta do Brasil, com 1,2 mil quilos. Outra polenta gigante é feita em Rio do Oeste, Santa Catarina, também de 800 quilos.
Após o tombo, feito com o auxílio de um guindaste, a polenta é servida gratuitamente aos visitantes, acompanhada de molho bolonhesa. Para o molho, são usados mais de 50 quilos de carne e 20 quilos de cebola.
PROGRAME-SE
O quê: 10º Polentaço
Quando: dias 18 e 19 de maio
Onde: Praça Padre José Ferlin, em Monte Belo do Sul
Quanto: entrada franca
PROGRAMAÇÃO
Sábado (18)
12h: Apresentação Coral Municipal Musicando Melodias e Coral Infanto-juvenil Alegria de Cantar
12h45min: Grupo Acordes
13h45min: Grupo de Danças Fabembalare
15h: Fanfarra Bersaglieri
16h: Abertura oficial
17h15min: Tombo da Polenta Gigante
18h: Grupo de Danças Infantis Piccoli Balerini
19h: Show de humor com Felipe Pires
20h: Show de Adriana de Los Santos
Domingo
12h: Apresentação de Amici Del Cantare
12h30min: Apresentação da Banda Municipal de Monte Belo do Sul
13h: Show de danças com Grupo Ballo D'Italia
14h: Tombo da Polenta Gigante
14h30: Show com Grupo Vicentino
14h40: Show com Ragazzi Dei Monti
16h40: Premiações do Torneio de Bochas e Concurso Monte Belo, Nosso Lugar
17h: Show com banda Nova
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