Bráulio Bessa capta espectadores por onde passa. Seja como participante fixo do programa Encontro com Fátima Bernardes ou como palestrante em diversas cidades do país – esteve em Caxias na última segunda, a convite do Sesc – ele tem o dom de deixar o povo embasbacado de emoção com sua inspirada poesia de cordel. Com linguagem simples e uma sensibilidade agigantada para abordar temas que causam identificação imediata, o cearense gosta de dizer que sua poesia tem a função de um abraço. Essa característica acalentadora de suas palavras certamente é uma das responsáveis por tê-lo transformado num dos autores mais vendidos do país.
Confira a seguir o papo que Bessa bateu com o Almanaque:
Almanaque: Você tornou um livro sobre poesia um dos mais vendidos do Brasil de 2018, um feito e tanto. O que faz da tua poesia um sucesso? Em que aspectos ela se conecta com as pessoas?
Bráulio Bessa: Comecei a escrever poesia com 14 anos e a minha grande fonte de inspiração era justamente esse universo que eu vivia, as pessoas que fazem esse universo ter vida, então essa conexão muito direta entre o que eu escrevo e o povo, vem de encontro a uma definição que falo muito: eu acho que sou gente que escreve sobre gente e para gente. É de tentar, sim, falar a língua das pessoas e que é a minha língua. Eu, quando tive contato com poesia pela primeira vez, foi com um poeta chamado Patativa do Assaré, cearense e cordelista. E eu fiquei muito impressionando, mesmo que menino, com a possibilidade que existia na palavra de um poeta com linguagem muito simples em poder falar do que há de mais complexo, que é o sentimento do ser humano. Vem muito dessa linguagem que herdo de Patativa do Assaré, por isso que se conecta tão forte com as pessoas.
Em relação ao livro, de ser um sucesso e estar entre os mais vendidos, acho que antes de qualquer coisa isso é necessário para que se abram portas de editoras para novos poetas e escritores que não têm oportunidades. Assim como eu, que tinha o sonho de lançar um livro desde os 14 anos de idade, o mercado literário é muito restrito, abre-se poucas portas para novos escritores e você pegar um cearense do interior, que escreve literatura de cordel, enfim... Então, eu fico feliz em saber que a poesia está chegando cada vez mais longe, já são 32 semanas na lista dos mais vendidos, para o próprio mercado literário é um case de sucesso absurdo. É por isso que continuo, porque sempre acreditei que era possível.
Me conta um pouco sobre como você descobriu que tinha essa afinidade toda com as palavras...
Essa história da minha relação com as palavras. Até meus 13, 14 anos, não tinha relação nenhuma com poesia, com literatura, não tinha inclusive interesse pela leitura. Foi realmente na escola, num trabalho de sala de aula, quando pude falar sobre a obra de Patativa do Assaré e aí sim perceber esse poder e ver surgindo em mim, antes de qualquer coisa, um encantamento pela poesia e um desejo muito grande de ser poeta. E aí eu fui apresentado à poesia desta forma e fui conversando com as palavras para saber se eu ia ter o tal do dom. Acho que talvez eu nem tinha, mas acredito também em merecimento e talvez Deus jogou um pouquinho desse dom para mim e, de lá para cá, eu venho brincando com as palavras fazendo poesia.
Participando do programa Encontro com Fátima Bernardes, dando palestras, lançando livro, imagino que você precise ter uma rotina bem organizada de escrita. Como funciona sua produção?
Hoje eu escrevo poesia por inspiração, sou um escritor, lanço livros, agora mesmo estou trabalhando no meu próximo livro. Então não tenho muita regra, um padrão, nesse processo de criação do que eu escrevo. Às vezes eu tô vendo tevê e vem uma inspiração, aí eu pego um papel e caneta, o celular, se estou com o computador na mão vai com computador, enfim, surge. É inevitável eu citar muito Patativa do Assaré quando eu falo de minha obra porque realmente existe uma influência muito grande. Em dos seus poemas, ele fala “para todo canto que eu olho, vejo um verso se bulindo”. Eu acho que é muito isso o processo criativo do poeta, de enxergar poesia em toda parte. Escrevo em cadeira de aeroporto, em avião, em casa, onde vier a inspiração, estou escrevendo.
Os temas que você aborda em suas poesias costumam causar identificação imediata com qualquer tipo de pessoa. Quais critérios você usa para definir sobre o que vai falar?
Quando escrevo por inspiração, escrevo sobre tudo que está a minha volta, sobre as pessoas que estão a minha volta, sobre o que eu sinto e sobre o que as pessoas sentem, Acho que o poeta tem essa função de também se apoderar de um sentimento alheio para transformar em poesia aquilo que ele talvez não sinta. Acho que esse talvez seja o grande dom do poeta e ter essa liberdade de invadir o sentimento dos outros, senti-lo e transforma-lo em poesia. Escrevo sobre o que sinto e sobre o que as pessoas que me cercam sentem. Já na televisão, chega um tem para mim na quinta-feira, perdão, amizade, corrupção, a importância do professor. Aí eu tenho, nesse caso é o que eu chamo de escrever por imposição. É um desafio e isso é bem comum nos desafios de poetas cantadores que também são uma grande referência para mim. Gosto de escrever quando recebo temas porque às vezes vêm assuntos que possivelmente eu passaria a existência e não sentiria a necessidade de escrever, isso é bacana sim também.
Imagino que você deva receber muitos feedbacks de pessoas que foram transformadas, de fato, por tua poesia. Como essas histórias transformam você?
O meu último livro se chama Poesia que Transforma e eu falo não especificamente do poder transformador da poesia na vida das pessoas, eu falo de como a poesia me transformou também. A cada novo depoimento, a cada nova história, a cada novo abraço, a cada novo contato que eu tenho com essas pessoas, que falam de diversos poemas meus, eu percebo que existe sim esse poder transformador. É inevitável que aquilo não me transforme, é inevitável que você veja alguém escrevendo que perdoou um irmão depois de 17 anos sem se falar ao ver um poema sobre perdão, e você não ser tocado com aquilo. Alguém que desistiu de cometer suicídio, alguém que viu um poema sobre animais de rua e adotou dois cachorros, enfim, é muita coisa. Recebo depoimentos diariamente e isso tem me transformado, tem me construído e é uma inspiração muito grande para que eu possa continuar escrevendo.
E se os seus textos transformam muita gente, acredito que você como leitor também já foi transformado por versos de outros autores. Quem são teus mestres nesse sentido?
Claro que minha primeira referência é Patativa do Assaré, que me despertou para a poesia, mas gosto muito da poesia de Chico Pedrosa, Dedé Monteiro, de Antonio Francisco de Mossoró, que é uma unanimidade no meio dos poetas populares nordestinos. Tem o Jassier Quirino também. Tem toda uma nova geração também: Henrique Brandão, Manoel Cavalcante, Vinícius Gregório, Jadson Lima. É muita gente boa que é referência para mim e eles precisam serem vistos. Esses poetas precisam de espaço e precisam chegar até as pessoas. Estão aí lutando e fazendo poesia com a mesma verdade e com, o mesmo sentimento que eu faço. tenho certeza que o que falta é oportunidade para que mais gente continue transformando através da poesia.
Além de espalhar poesia e empatia com teus textos, você também é um defensor da cultura nordestina pelo estilo que assume. De que forma o nordeste te moldou como artista?
A minha poesia, por ter toda essa referência da literatura de cordel, dos cantadores de viola, é claro que traz uma identidade nordestina muito forte na minha fala, na mensagem que eu passo, na construção poética, mas sobretudo na minha construção como ser humano. Eu sou um cearense, do interior do Ceará, numa cidade típica do interior de 18 mil habitantes, onde você realmente vive esse universo que é a cultura nordestina tão pulsante. Quando eu falo isso é o contato direto com as pessoas, acho que o que faz um lugar é o povo e eu sempre tive um contato muito forte com o povo, desde menino, de correr no meio da rua, de brincar, uma infância muito livre para me relacionar com pessoas, para ouvir histórias, e não me distanciei nisso. Então é inevitável que toda essa herança cultural não esteja presente no que eu digo e no que quero passar para as pessoas. Agora, pensando em trazer essa referência e esse sentimento de representatividade regional, mas escrevendo uma poesia que eu considere universal, que eu possa tocar o coração de qualquer pessoa do mundo.