Livros não chegam a ser prioridade no orçamento dos brasileiros. Basta olhar os números: 30% da população jamais comprou um exemplar, e 44% não mantém qualquer hábito de leitura – os dados são do Instituto Pró-Livro, divulgados no ano passado. É um quadro nada estimulante para quem pretende manter uma loja baseada na venda desses artigos, agravado pela crise econômica e pela crescente adesão dos consumidores às compras pela internet.
No Rio Grande do Sul, pequenas livrarias resistem apesar do cenário pouco animador, que tem colocado até grandes redes em dificuldades. O segredo por trás do sucesso desses livreiros é oferecer aos clientes experiências que vão além da leitura, cumprindo algumas vezes o papel de um centro cultural.
É o caso de uma das maiores livrarias do Estado, que está localizada em uma cidade com 20 mil habitantes. Em São Francisco de Paula, a Miragem reúne em três andares livros novos, sebo, bazar, lancheria e espaço para eventos. A iniciativa foi criada em 2000, pela professora aposentada Luciana Soares, que já perdeu a conta do número de livros de seu acervo, que se espalha por 2 mil metros quadrados.
– Não sou boa com números – resume Luciana.
Um passeio pela Miragem é suficiente para confirmar que números não são o foco. O acervo da casa é vasto e diversificado, contemplando desde clássicos da literatura universal até novas apostas de pequenas editoras. Para manter as estantes sempre atualizadas, Luciana viaja pelo menos uma vez ao mês a Porto Alegre, visitando distribuidoras e livrarias. Não é difícil concluir que muito pouco do que é trazido consegue ser vendido, já que o público leitor da cidade não é tão numeroso. As contas fecham no vermelho na maior parte do ano.
– A livraria paga suas contas em dezembro, janeiro, fevereiro e julho. O resto é um Deus nos acuda – diz Luciana.
O primeiro objetivo da Miragem não é gerar lucro financeiro, mas ser um ponto de preservação da cultura e dos valores sob os quais Luciana foi criada. Herdeira de estancieiros da região, ela formou-se em história e se aposentou como professora.
– Depois de me aposentar, resolvi fazer uma livraria para retribuir um pouco para essa região o muito que ela me deu – conta Luciana. – Logo percebi que nossa cultura iria terminar. Então fiz um esforço gigantesco para construir esse espaço.
A região tem transformado sua economia nos últimos anos, e a pecuária extensiva está dando lugar ao cultivo de pinus e batata, colocando em xeque o modo de vida tradicional do município, baseado na lida com o gado. Em frente à livraria, Luciana instalou um palanque de amarrar cavalos, e dentro da loja há um ambiente que imita um galpão, onde é guardada a literatura produzida no Estado. Além disso, fotos e documentos históricos da cidade também estão espalhados nos diferentes ambientes.
– Nesta livraria, não tiramos os valores da região para colocar algo novo no lugar. Isso seria destruição, embora alguma pessoas chamem de progresso. Ao contrário, progresso é o que fazemos aqui. Todos os valores da nossa cultura estão preservados nesse espaço – conclui Luciana.