Filmes protagonizados por policiais costumam ter uma estética parecida: com tiros, perseguições e ação de sobra. O longa dinamarquês Culpa, estreia desta semana na Sala de Cinema Ulysses Geremia, inverte totalmente essa lógica. Com direção de Gustav Möller, a história é filmada inteiramente dentro de uma sufocante central de polícia em Copenhague. É lá que o policial Asger Holm atende ao chamado de uma vítima de sequestro e tentará fazer tudo que conseguir para ajudá-la, ainda que tenha somente o telefone e sua determinação como ferramentas disponíveis.
Com pouco tempo de filme rolando, o espectador consegue perceber que Asger é um policial que não pertence ao ambiente onde está locado atualmente. Ele é aquele tipo de profissional ligado às ruas, ao mundo dos desmanches de quadrilhas e dos ataques corpo a corpo contra criminosos. Mas Asger está preso a um telefone numa sala mal iluminada, mesma condição claustrofóbica que se transfere ao espectador. Em meio a tantas ligações de situações corriqueiras e sem gravidade, o policial se vê envolvido a um caso de sequestro. Uma mulher, Iben, estabelece contato com ele fingindo que fala com a filha pequena, isso para que o sequestrador não perceba que ela está buscando o socorro da polícia. Enquanto procura entender o caso e rastreia dados de cada um dos envolvidos com quem tem contato, Asger coordena uma caçada capaz de tirar o fôlego de quem está do outro lado da tela.
O orçamento de Culpa é baixíssimo, mas a história bem amarrada garante que o espectador não preste atenção nisso. Com 90% das tomadas sendo preenchidas pelo rosto aflito do policial (performance, aliás, superconvincente do ator Jakob Cedergren), a obra propõe uma construção visual de cada um de seus desfechos guiada puramente pela imaginação. A repulsa de quem depara com um cadáver ou a agonia de quem está preso no escuro são situações presentes nas vozes dos personagens que conversam com Asger e que também passam a habitar a mente de quem assiste. Recurso explorado mais regularmente em linguagens como o teatro, a voz que narra um fato imediatamente imaginado pelo espectador aqui ganha uma força descomunal. Não conhecemos os rostos de nenhum dos personagens, além do policial, mas é como se nos aproximássemos deles a medida que o roteiro avança.
Além de propor um envolvente exercício de narrativa, explorando caminhos interessantes da arte de contar histórias, o longa traz ainda uma reflexão pertinente sobre o sentimento que referencia no título. É como se a culpa revelasse o potencial humano de todos nós, mesmo nas situações mais monstruosas.
Veja o trailer: