Uma Itália bem diferente do estereótipo vendido a turistas – geralmente formado pelo combo belas paisagens + ótima comida – povoa o longa Minha Filha, estreia desta semana na Sala de Cinema Ulysses Geremia, em Caxias do Sul. A obra, que abre a programação de 2019 no espaço, revela a ilha de Sardenha como cenário sem encantamentos estéticos e habitado por personagens cheios de falhas. O clima é seco, o calor maltrata a pele e o mar, ao invés da beleza geralmente a ele atrelada, desenha animais pouco harmônicos como uma enguia grávida. É essa Itália que embala um trio de protagonistas que se agarra aos tortuosos caminhos do afeto para sobreviver.
Em Minha Filha, a direção sensível de Laura Bispuri (de Virgem Juramentada) coloca o espectador no centro de um drama familiar e feminino, dando vasão a um conhecido tema: os laços de sangue versus os laços de afeto. Logo na primeira sequência, o filme trata de apresentar de forma bem direta suas personagens. Vittoria (Sara Casu) é a criança que flagra Angelica (Alba Rohrwacher) fazendo sexo escondida durante uma espécie de feira agrícola em um pequeno vilarejo. Depois, assustada com a cena, a menina refugia-se no abraço de segurança e conforto de Tina (Valeria Golino). Esse embate entre duas mulheres de personalidades antagônicas está no centro do roteiro, porém, sob a ótica infantil, que não possui os mesmos julgamentos do universo adulto.
O filme logo deixa claro que Vittoria foi criada com toda dedicação e todo amor pela trabalhadora Tina, mas na verdade é filha biológica da alcoólatra prostituta Angelica. Enquanto parece óbvio que o melhor para a menina seria permanecer ao lado da mãe adotiva, as descobertas de Vittoria ao lado da genitora de sangue conduzem um novo olhar a essa perspectiva. O longa faz um ensaio não só sobre o sentido da maternidade, mas também sobre o importante papel desempenhado pelo filho nessa construção de laços.
A câmera naturalista da diretora Laura Bispuri seguidamente capta suas protagonistas de frente e em movimento, explorando emoções que brotam do rosto delas em momentos cruciais da história. Escolha que sugere também uma espécie de confrontamento entre o espectador e as escolhas imprevisíveis dessas mulheres. Mais do que isso, o filme Minha Filha propõe um ensaio sobre o quão fundo estamos dispostos a ir pelo outro – preste atenção na metáfora do buraco em meio às rochas –, algo sempre difícil de se medir.