Derlon é um grafiteiro brasileiro do Recife que, com 33 anos, conseguiu se projetar mundialmente com uma estética ímpar. Seus trabalhos são como xilogravuras feitas de spray. De tão potente, seu grafite expandiu espaços, chegando a instituições, galerias e projetos de design como para a rede Tok&Stok e a empresa franco-brasileira Vert, que trabalha com produtos sustentáveis como tênis e bolsas. Ele também assina painel no restaurante Dalva e Dito, o chef Alex Atala, em São Paulo. Parte dessa história está no livro Derlon, lançado em outubro pela editora Impressões de Minas.
Com uma obra derivada das figuras que ilustram o cordel nordestino conquistou os olhos do mundo pela simplicidade. E, sobretudo, pela capacidade de aproximar as pessoas. Faz isso fundamentalmente na rua, o espaço que democratiza a arte, colore a paisagem urbana. Mas a grande aventura está nas ruas e nos encontros como o promovido pelo Instituto SAMbA, onde ele finaliza um grafite que pode ser conferido pelo público neste sábado, das 14h às 17h, quando rola também um bate- papo na sede do instituto (Hercules Galló, esquina com Visconde de Pelotas).
Almanaque: Como você construiu uma arte atravessada pelo artesanato, a xilogravura, cordel e o grafite?
Derlon: Na verdade, é a estética da xilogravura que está aí. Minha influência é mais pelos desenhos da xilogravura. É essa arte que me influenciou. Sempre tive apreço pelas pessoas. Tinha uma necessidade de me comunicar de forma mais ampla com as pessoas. Naquele trajeto de sair de casa e ir à escola eu percebia algumas pinturas nas paredes das ruas. Nem tinha ideia de que aquilo era grafite. Me encantei com aquela proposta de uma arte pública que permitisse que todas as pessoas pudessem ver. Corri atrás de aprender a pintar em parede, buscando conhecimento, até descobrir que a maioria daquelas pinturas que gostava se chamava grafite. Depois, quando já estava inserido, percebi a emergência de uma identidade. As pessoas viam e já identificavam, não precisava eu assinar.
Mas hoje você é uma assinatura...
Acredito que fiz as pessoas reconhecerem o artista pela imagem, pela obra, não pela assinatura. Hoje, quem olha sabe, isso é Derlon. Nas pinturas e nos murais, dificilmente assino, só coloco uma identificação. Nos quadros, telas, obras que circulam, assino atrás na maioria das vezes. Já inserido na arte urbana, busquei e cheguei a isso me encontrando com outros artistas muralistas daqui do Brasil e principalmente de fora. Busquei identidades novas, fugir do grafite convencional, aquelas letras com várias cores e tal, da street art em si. Aí, dentro da minha fome de ter uma identidade impactante, que pudesse prender as pessoas, percebi que tudo estava embaixo do meu nariz. Quando comecei a prestar atenção à estética tão popular dos xilogravadores, a capa dos cordéis, percebi que era uma arte simples, fácil, humorística, não agressiva, e que talvez eu conseguisse atrair a atenção das pessoas com ela. Busquei uma obra que, com pouca informação, falasse muito.
Qual a potência de comunicação do grafite para o contexto urbano?
É fundamental. Já imaginou os grandes centros urbanos sem o grafite? Como seriam cinzas, vazios e sem graça?
Mas o grafite vem fazendo este trânsito, chegando às galerias. Rua ou galeria?
Muita coisa muda. Quando fui para as ruas, não tinha nenhum objetivo de levar o trabalho para as instituições. O grafite nasce e sobre vive nas ruas. Não tem necessidade de mercado. Por isso, quando entrei no espaço institucional, não me considerava mais grafiteiro. A alma dessa expressão urbana é a própria rua. Dificilmente eu posso olhar para uma obra mural dentro de uma instituição e chamar aquilo de grafite.
Como lidar com o boom do grafite e dos grafiteiros e a emergência das artes urbanas na contemporaneidade?
Quem tem o desejo de ser artista grafiteiro não pode entrar nesse meio pensando em algum retorno como artista visual, artista plástico. Se vier alguma carreira como artista visual, terá que rever novamente todas as coisas de modo a se adaptar a esse meio.
O universo popular está renovando o ambiente das artes?
Lógico! Às vezes a gente esquece o que está do nosso lado e só pensa em ser pop, estuda, aprende e busca coisas lá fora. Tem muita coisa ao nosso lado que tem capacidade de comunicação e expressão com o universal. Quando me aproximei e resgatei essa cultura, minha questão não era ser regional, mas ser pop. Percebi que esse trabalho poderia ter uma linguagem que se comunicasse em qualquer lugar do mundo. É impossível eu apresentar uma obra minha no Japão e o cara dizer que não entendeu. Ela é altamente comunicativa em qualquer lugar do mundo.
Como lida com a projeção, de ser um nome reconhecido no mundo?
É muito bacana. E o mais bacana é quando você olha pra você mesmo e percebe que fez o caminho certo das coisas. Você não teve medo, não abdicou, meteu a cara e confiou que não fez o xeque-mate no meio do jogo. Você ainda está no jogo. Abdiquei do curso de Ciências Sociais para me dedicar às artes. Percebi que precisava de mais tempo para lapidar a minha obra. Todos os trabalhos que aparecem, as parcerias, os reconhecimentos, são prova de que eu fiz a coisa certa na minha vida. E o retorno das pessoas, principalmente a capacidade delas olharem para minha obra e se reconhecerem, se identificar com ela, dos críticos que elogiam minha obra, o compromisso que muitos colocam nela, na perspectiva da renovação da arte brasileira. Todo esse retorno positivo é um reconhecimento de que lá atrás eu fiz a coisa certa e tive a coragem de fazer isso.
Qual o discurso do teu grafite para o mundo?
A desigualdade me consome muito. Então, fazer uma arte que representa uma certa classe e, ao mesmo tempo, se torna refinada, que se próxima de outra classe, conseguindo assim que duas classes se aproxime... Isso tem um sentido aqui do Brasil. E, num sentido mais universal, é sobre a comunhão das pessoas de diferentes culturas pela mesma ideia. É muito legal quando estou lá fora e vejo as pessoas se aproximando da minha pintura e se comunicando com ela, de forma que aquela obra também pertença à sua cultura. Meu maior retorno é isso. Não consigo fazer uma exposição pra cinco pessoas. Não consigo muito fazer coisas limitadas. Só consigo fazer quando muita gente possa ir, possa ver. É essa coisa de fazer com que todo ser humano se sinta menos desigual.