Cozinha e amor, quando se fundem, parecem abarcar a essência da vida. A gastronomia tem disso mesmo, de carregar a simbologia de uma cultura, vivência ou memória. Na última matéria do projeto Pitadas de Sabor do Pioneiro, a família Radaelli, de Caxias do Sul, mostra como um ato de sobrevivência pode ser elevado a um ato de carinho, comemoração e muito orgulho. O casal Severina (carinhosamente chamada de Seve) e Thomaso, que morreram há quase 10 anos, foram os responsáveis por incorporar na família aquele que seria o prato principal de todas as comemorações a partir de então, a famosa sopa imperial. Feita com apenas três ingredientes — ovos, farinha e queijo —, a receita é simples e, assim como muitos pratos italianos da época, nasceu da necessidade de alimentar muitos com poucos.
Descendentes diretos de Tommaso Radaelli, um dos três primeiros italianos a se estabelecer no Rio Grande do Sul e o nome que trouxe a primeira semente de uva que chegou à Farroupilha, Seve e Thomaso radicaram-se no que hoje é o município de Farroupilha ainda no ano de 1875, como conta a filha, a professora de artes aposentada Rosa Lúcia Radaelli, 63 anos. Eles foram casados por 72 anos e deixaram, além da receita da sopa, um legado de amor e cuidados que até hoje é cultivado pela família.
O carinho e a dedicação são vistos desde a horta do casal que é mantida pela família em Nova Milano, passando pela louça de cozinha herdada por Rosa e chegando no cactos centenário que fica em frente à janela da cozinha da casa, cuja muda é passada para as mulheres da família, de geração para geração. Mas muitas das boas histórias e lembranças deixadas pelo casal têm ligação com a gastronomia. Um caderno antigo, com folhas amareladas, guarda a caligrafia de Severina, que eternizava suas receitas. Em uma das páginas, está a sopa imperial. Essa, porém, escrita por Thomaso:
— 50 anos de casados um monte de gente faz. 60 algumas pessoas fazem. Mas 70 é para poucos. As pessoas perguntavam pro meu pai como eles ficaram tanto tempo juntos. Ele respondia: "quando um fica brabo com o outro, tem que colocar uma batata na boca. Só pode responder quando a batata ficar cozida" — se diverte Rosa.
Cozinheira de mão cheia, Seve costumava reunir toda a família aos domingos no porão de sua casa, como lembra a filha. Wagner Roberto Zanonato, 66, marido de Rosa, lembra que até hoje os filhos (netos de Seve e Thomaso) guardam lembranças dos dias passados na casa dos avós.
— Aos domingos, 12 netos corriam no pátio, brincavam, isso era de praxe. O almoço no porão da casa da vó e do vô era um clássico que ficou eternizado — garante Zanonato.
Cookshow
O projeto Pitadas de Sabor, realizado pelo Pioneiro e com patrocínio do Empório Nova Aliança, além da história e das receitas no papel e, em vídeo, no digital, tem também um evento. O próximo cookshow do Pitadas ocorre na próxima terça-feira, dia 13, na Escola de Gastronomia Sal a Gosto, em Caxias do Sul. Na aula, os participantes aprenderão a preparar a receita original e também uma versão contemporânea criada pelo chef Gabriel Lourenço.
Como fazer
Ingredientes
12 ovos
12 colheres (sopa) cheias de farinha de trigo
12 colheres (sopa) cheias de queijo tipo parmesão ralado
50g de manteiga
1 colher (chá) de sal
1 colher (chá) de noz moscada ralada
Modo de preparo
1. Derreta a manteiga no fogo, sem deixar ferver.
2. Bata os ovos a mão e misture-os com a manteiga.
3. Aos poucos, acrescente à mistura a farinha, depois o queijo, a noz moscada e o sal. Derrame a mistura em uma assadeira untada.
4. Asse no forno aquecido a 200°C por 30 minutos, aproximadamente, até ficar com a aparência de massa de bolo fofinha.
5. Corte a massa em quadradinhos de meio centímetro e reserve.
6. Jogue os quadradinhos no caldo fervente e cozinhe-os de 2 a 3 minutos.
Rendimento: 10 a 12 porções.
As receitas do Pitadas do Sabor
O projeto se iniciou em junho e tentou mostrar como toda a receita expressa uma personalidade em seu tempo, já que um prato não traz consigo apenas aroma, textura e sabor. Assim como um documento, ele é também retrato de uma época e guarda, por trás da escolha dos ingredientes e das condições de seu preparo, a trajetória e o processo de formação de um povo e de um tempo. Confira:
Junho: canederli, de Claire Demori.
Julho: ricota e queijo "primo sale", do chef Giuseppe Giudizi.
Agosto: canudinhos de Galópolis, de Maurilia Darolt.
Setembro: nhoque com salame da família de Bernardete e Ari Bonetto.
Outubro: flamery de laranja da família de Lissandro Satallivieri.
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