Um dos rostos mais conhecidos da televisão brasileira adentra a sala convertida em camarim sorridente e à procura de um cafezinho, sem açúcar. Quando recebe a xícara ameaçando transbordar, antecipa as desculpas a um eventual acidente: “sou uma atrapalhada”. Apresentadora e repórter da TV Globo desde 1971, primeira mulher negra a exercer essa função no Brasil, Glória Maria coleciona admiradores tanto por seu espírito inquieto quanto por atos como os dois anos sabáticos em que se ausentou da televisão para se dedicar ao trabalho voluntário, ajudando crianças na Nigéria e no Brasil. Durante esse período, adotou duas meninas num abrigo em Salvador: Maria e Laura, hoje com 10 e 9 anos, suas únicas filhas. Colocá-las no caminho das boas escolhas, diz, é o seu objetivo na vida. No trabalho, é viajar cada vez mais.
Seja uma expedição a São José dos Ausentes, que visitou em 2005 para mostrar um roteiro turístico feito a bordo de uma mula, ou Albânia e Macedônia, de onde retornou há poucos dias, o que move Glória é a paixão por conhecer novos lugares e culturas, na busca pelo que nos une enquanto humanos. Fazendo do olhar atento sua ferramenta de trabalho, já visitou mais de 150 países. Além das reportagens, a jornalista também compartilha suas vivências em palestras como a que a trouxe a Caxias do Sul na última terça-feira, como atração do 1º Simpósio Estadual do Varejo, realizado no Hotel Intercity. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Almanaque antes da palestra:
Almanaque: Em palestras como a que vens ministrar em Caxias, tu falas de se reinventar em um mundo globalizado. Qual mensagem tu procuras passar?
Glória Maria: Não é uma palestra técnica, mas, sim, humana. O que eu tenho a oferecer é um olhar que permite apontar similaridades, diferenças a partir do que eu vejo e do que sinto, do que é igual e do que é diferente. O mundo, hoje, é uma bolha bem pequena. Eu acabo de chegar da Macedônia e lá quase tudo é muito parecido com o que temos aqui. O que há de diferente é a essência do povo, e é isso que eu busco: a alma, o sentimento. Fala do que eu vivo no dia a dia, do exercício diário da reinvenção. De todo dia se olhar no espelho e sentir: eu estou mudando. Não adianta querer mudança se você não mudar. A mudança é um olhar de dentro pra fora, e é isso que eu venho tentando exercitar.
Isso passa mais pelo agir ou pelo pensar?
Passa pelo olho aberto, pela vontade de aprender, pela curiosidade. Porque a gente nunca é o mesmo. Você pode passar pela mesma experiência e reagir de maneiras diferentes, dependendo do sue momento, do que você percorreu, do que você se permitiu aprender com o tempo. A reinvenção é saber o que você é, o que você quer e até onde você quer chegar.
Quem também está sendo desafiado a se reinventar é o jornalismo.
O jornalismo se auto reinventa. Porque a gente é obrigado a acompanhar a tecnologia, o progresso, e cada dia tem uma coisa nova. Eu comecei trabalhando com microfone de mão, depois passei para o de lapela, depois para o ponto que prende no ouvido. No jornalismo, essa coisa da modernização e da globalização é natural. O jornalista vem à reboque da tecnologia. Quanto mais recursos a gente tem, mais a gente precisa apurar o olhar. Não é uma reinvenção, mas sim uma evolução.
Como a primeira repórter negra na TV brasileira, como tu vês o atual momento do feminismo e o discurso de empoderamento feminino?
No meu tempo não tinha empoderamento. O que falávamos era: queremos espaço. O feminismo era uma cosia que realmente as mulheres necessitavam, porque estávamos excluídas do mundo. Eu sou de um tempo em que as mulheres queimavam sutiãs e faziam passeatas na rua para dizer: “eu sou mulher, estou aqui”. Eu não gosto da palavra “empoderamento”, porque quando você fala em empoderar, fala em dar o poder para alguém. Nós, mulheres, já temos o poder. Precisamos ter o direito de exercitá-lo. Por isso eu acho que a gente tem que discutir o lugar da mulher, colocar a mulher nos espaços de liderança, mas acho que a palavra “feminista” está completamente desatualizada. Seria necessário inventar um outro termo, porque a luta que a gente vive hoje não é a luta que a gente viveu no século passado.
E o atual momento político do Brasil, como tu avalias?
Tô fora! Como eu não estava aqui, não vi, não quero ver e quem viu por favor não me conte (risos). Eu sou brasileira, vou votar como todo mundo, acho que cada um tem que ter a sua posição. O voto é secreto, mas eu, como jornalista, não tenho o direito de influenciar as pessoas. Por isso não gosto de falar sobre política.
O que ainda falta realizar, tanto na vida quanto no trabalho?
Começando pela vida, quero ver as minhas filhas (Maria, 10, e Laura, 9) criadas, felizes, em paz, bem orientadas, num caminho bacana. Esse é o meu objetivo na vida, poder olhar para elas e dizer que ajudei a criar dois seres humanos felizes. No trabalho, eu busco a novidade e sou movida a desafios. O que peço a Deus é que ele coloque a cada dia um novo desafio na minha frente. Eu sou curiosa, tenho a noção de que quanto mais eu caminho pelo mundo, menos eu sei. O que eu procuro é aprender. Isso, dentro da minha profissão, acho que me abre um caminho enorme para percorrer.
Para qual país tu ainda não foste e tens vontade?
Tem vários. Ainda tem o Uzbequistão e todos aqueles “tãos” que eu ainda não conheço (risos), mas eu chego lá, até porque espero viver bastante. O problema é que o mundo está mudando tanto que a cada dia aparece um país novo. Quando comecei a viajar, o objetivo era conhecer 120 países, que era o que havia no mundo. Depois passou para 130, 150, agora tem mais de 200. Acho que enquanto eu estiver viva, vou ter país pra conhecer. Tomara!