O que faz com que você vibre?
A pergunta é do palestrante, psicoterapeuta, escritor, cantor e compositor Jorge Trevisol, que será um dos palestrantes, no próximo sábado, do 2º Congresso Nacional de Espiritualidade, em Caxias do Sul. Formado em Filosofia, Teologia e Psicologia, com mestrados em Psicologia e Espiritualidade e doutorado em Educação, ele abordará a necessidade de voltar-se à interioridade, retomando nossa inteireza e investindo no autoconhecimento.
— Quando entramos em crise é quando nos damos em conta que esse mundo fragmentado não resolve a nossa profunda e intensa necessidade de unidade. É por isso que caminhar em direção à inteireza é próprio de quem está ligado ao seu propósito e à sua alma — diz Trevisol.
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O palestrante salienta, ainda, que não temos como nos desvincular das circunstâncias nas quais vivemos, porém não devemos nos deixar dominar por elas — nem pelos obstáculos, que devem ser enfrentados sem perder o entusiasmo.
Confira a entrevista que ele concedeu ao Pioneiro:
Pioneiro: Você virá a Caxias falar sobre a vibração com nossos propósitos. Mas o que é esse propósito?
Jorge Trevisol: Ultimamente está havendo uma aproximação àquilo que chamamos de propósito, que antigamente chamávamos de vocação, um chamado que vem de dentro do nosso ser. James Hillman, no livro O Código do Ser, diz que todos nós viemos para algo especial, e que por trás de todo o vivido, inclusive dos obstáculos, existe um fio condutor que vai integrando uma história pessoal de cada ser humano. Dentro das circunstâncias nas quais me encontro, de onde eu vim e onde cheguei, desde a minha família, meu contexto social, meu tipo de mundo, minha época, atrás de tudo isso o meu ser, aquela parte de mim que chamamos de alma, de nosso divino essencial, quando nós chegamos nessas condições que encontramos, cumprimos um propósito em relação a essa alma e também às pessoas e lugares e situações que vivemos. Isso vai se cumprindo aos poucos, com o passar dos anos, até lá pelos 40, 45, porque daí em diante começa verdadeiramente a jornada da alma. Se supõe que eu já tenha entrado no mundo com o meu ser espiritual, divino, e encontrado o humano através da dor do mundo, e aí eu já tenha criado aquilo que psicologia chama de ego para lidar com esse mundo. Lá pelas tantas, após ter experimentado esse mundo, começa uma espécie de retorno. De certo modo estar no mundo é perder-se nesse mundo e aprender a volta, e lá pelos 40, 45, começamos a voltar. E na medida em que vamos retornando, chegamos novamente dentro de nós. A gente vem divino, lá pelos 10, 12 anos se perde, entra no mundo do ego e segue o mundo, mas lá pelas tantas o próprio ego vai dando sinais de desconforto.
Como isso se dá?
Nós entramos na mítica crise dos 40, que é uma fragmentação da ideia do nosso mundo, para voltar a encontrar a nossa alma. E dali em diante o nosso propósito pessoal deixa de ser estritamente pessoal e se torna um propósito em relação ao mundo. Dali em diante eu também estou, de certo modo, mais livre com as coisas pessoais, mais resolvido internamente, e portanto mais disposto a doar para o mundo o meu ser, a minha luz, a minha energia. Eu também venho a esse mundo para que o mundo seja transformado através de meu propósito. É quando eu começo a ser aquilo que eu sou, oferecendo meu ser nesse mundo. Resumindo, nós chegamos com um propósito de alma que, sem aquelas experiências de vida, eu não me tornaria quem eu sou; e o mundo, se eu não tivesse vindo, também não seria como é.
Por que essa vibração é importante?
Porque é o centro da razão pela qual estamos aqui. O propósito é uma espécie de lugar em que se alimenta o encantamento. Se você no seu trabalho, na primeira hora do dia, já está cansado, desencantado, tem alguma coisa com o propósito que está errado. E a manifestação dessa distância do propósito está no grau de desconforto que a vida vai tomando em relação a isso. Por isso, todo esse movimento espiritual de reencontro de propósito. Mas é preciso compreender que eu estou no mundo, e no entanto eu não sou esse mundo. O meu mundo essencial, interno, é anterior a esse mundo em que eu vivo hoje; no entanto, esse mundo em que eu vivo tem uma grande importância para o meu propósito porque estou dentro dele, e com ele eu tenho não só um compromisso mas toda a potencialidade para viver dentro dele. Podemos achar que o mundo nessa época é muito complicado, mas também contribuí para essa complicação, e ao mesmo tempo tenho os anticorpos para lidar com esse ele.
Como manter o entusiasmo diante dos obstáculos?
Uma coisa são os obstáculos do mundo material, outra são os referentes à nossa alma. Por exemplo, tudo aquilo que não me deixa ser quem eu sou é um obstáculo sério, tudo aquilo que não permite meu propósito acontecer é um obstáculo. O grande obstáculo é a sombra que não permite que a minha luz brilhe. Manter o entusiasmo significa não me distanciar do meu propósito. O melhor modo nesta época de estar perto do mundo em que vivemos sem se perder nele é não se distanciar de si mesmo. E eu não sou o mundo. O mundo está ali, eu estou nele, mas o meu mundo de verdade é aquele que faz parte do inteiro da minha alma, esse essencialmente divino que está em mim que em relação com o mundo ali fora diviniza, transforma, na medida em que eu não me deixo engolir pelo mundo. Portanto é de grande importância estarmos conectados a nós mesmos, para que eu não seja devorado pelo externo mundo que está ali e não se interessa muito por mim. Sou eu que tenho de olhar para ele como o meu barco dentro dessa existência inteira da eternidade da vida, em que às vezes é mais devagar, às vezes é mais tempestuoso e às vezes de bonança.
No livro "Labirintos da Alma", o senhor fala que a exterioridade excessiva do mundo atual leva ao esquecimento da interioridade. Como isso ocorre, e quais as consequências?
A exterioridade, quando eu estou muito para fora e esqueço de voltar para casa, é um mundo que me devora. Esquecer a interioridade significa perder-se no fazer do mundo, mas aí acontece uma coisa muito séria, porque eu não estou em contato com o meu propósito, e o meu fazer no mundo só tem sentido se é um fazer que revela o meu propósito. Se eu perco o contato com o meu interior, tudo o que eu faço no interior é sem alma, sem vida, sem a contribuição do meu aspecto divino pessoal com o qual eu vim e que me diferencia de todas as pessoas . Em outras palavras, quando eu me exteriorizo muito e me distancio da minha interioridade eu não consigo amar, pois amar é estar presente inteiramente do jeito que eu sou, com a essência que eu sou, e com essa capacidade humana que possuo para me relacionar com a realidade. Por isso que quem corre muito tem o perigo de correr para longe de si mesmo, e quando foge de si mesmo entra num inferno, porque estar em contato consigo mesmo é condição essencial para estar em qualquer lugar sem se perder.
Em uma obra anterior, "O Reencantamento Humano", o senhor abordado o conceito de inteireza. As pessoas, hoje, estariam vivendo de forma fragmentada?
A inteireza é própria da alma. A alma precisa sentir-se inteira e ela funciona de forma inteira. Ela é unificadora, abrangente, inclusiva, cria profundidade e largueza em tudo. Quando nós vibramos nela, nós somos inteiros. A fragmentação não pertence ao mundo da alma; ele pertence ao mundo do ego. O ego adora fragmentar para poder dar conta. Mas no fundo o ego, que tem todo esse poder mental de "criar um mundo" para ter uma noção de que eu estou dando certo, é ancorado sobre o medo da fragmentação. Daí ele cria uma espécie de mundo subjetivo, um constructo, onde ele pensa ilusoriamente que está controlando tudo, mas no fundo o ego inclui somente aquilo que não o assusta, que não o amedronta, não põe em risco o seu poderio. No entanto, ele está sempre tremendo porque sabe, de forma inconsciente, que a todo instante ele pode fragmentar. Começamos a entrar em crise quando percebemos que esse ego não está dando conta, que essa forma de ver e de ser que organizei mentalmente, esse conceito de mim, com minha história, minha carreira de trabalho, começam a tremer na base, e aí eu sinto muito medo de me perder. Quando entramos em crise nos damos em conta que esse mundo fragmentado não resolve a nossa profunda e intensa necessidade de unidade.
Como conseguir a inteireza?
Caminhar em direção à inteireza é próprio de quem está ligado ao seu propósito e à sua alma. Quanto mais eu me distancio do meu ser e do meu propósito, da minha alma, tanto mais eu me torno fragmentado porque eu crio uma forma de viver extremamente mental em função de coisas que eu desejo e acho importantes para estar nesse mundo, porém no fundo quem as elegeu não foi a alma, mas o ego. Portanto, é um castelo de areia que no primeiro vento, nas primeiras contradições do mundo, ele vai degringolar, e aí a ansiedade e a angústia vão tomar conta da pessoa fragmentada. Que bom, nessa época, podermos olhar para essa necessidade e capacidade de inteireza que temos e compará-la com as nossas ansiedades para ver onde está aquela área que está fragmentada, que não está incluída nesse meu ser inteiro que eu preciso carregar, dentro do possível, conscientemente.
Qual a importância do autoconhecimento?
Talvez não exista a possibilidade de se reencontrar para quem se perdeu não se autoconhecendo. Autoconhecer-se significa integrar todas as experiências humanas, inclusive as mais dolorosas, perceber que tudo aquilo que eu tenho passado, inclusive aquelas minhas feridas e as pessoas que me feriram, eles fazem parte da minha alma. A alma sabe o que nós vamos passar nessa vida, quem não sabe é a nossa mente, por isso temos medo de nos machucar. Mas quando nós conseguimos enxergar isso de uma forma inteira, nos autoconhecendo, vamos significando os fatos vividos em relação aos propósitos da alma. Quanto mais eu estou em contato com esse propósito, quanto mais eu consigo integrar essas coisas que me aconteceram, eu vou perceber que isso não estava fora do meu propósito. Em outras palavras, o propósito passa pelas dores humanas, e quando eu entendo isso, eu vou mudar o mundo. O autoconhecimento não é nada mais nada menos do que um olhar-se para dentro, numa espécie de eu-observador constante que vai observando o meu vivido e o meu viver, tentando conectá-lo com o meu propósito de vida e com a inteireza do meu ser.
A multiplicidade de demandas do mundo atual deixa tempo para a espiritualidade?
Estamos experimentando uma coisa que a meu ver é bastante benfazeja. Nós estamos nos dando conta de que uma vida organizada sobre os ditames do ego, sobre uma estrutura egóica, material e inclusive mental, apesar de eu chegar a lugares que nunca tinha chegado antes, isso não me dá serenidade, porque a alma fica sem receber o que ela mais precisa, que é o alimento do significado do que está sendo vivido. A espiritualidade, não tendo conexão, não tem inteireza, e não tendo inteireza, há uma grande ansiedade e aí a perdição é inevitável. De certo modo, estamos aprendendo a voltar para nós mesmos quando chegamos perto do desespero, que na verdade é a alma dizendo que está no fim desse caminho que só me leva para longe de mim. O ápice disso é se torna uma doença física, porque nós adoecemos quando por longo tempo ficamos emocionalmente perdidos diante de um fato que não foi espiritualmente significado. Eu acho que nós estamos num tempo favorável à espiritualidade, porque exploramos ao máximo a materialidade, chegou a hora de voltar para esse sopro que está dentro de todas as coisas e que é preciso olhar para ele como algo extremamente ligado a um centro, a um eixo amoroso, a um divino, a uma fonte original.
A espiritualidade está vinculada à religião?
Espiritualidade não pressupõe necessariamente seguir uma religião. Normalmente na religião existe espaço para a espiritualidade. A religião é um campo que se bem vivido favorece a amorosidade, a expressão da alma e a aproximação do ser essencial ao ser original. Mas isso não está garantido, e ao mesmo tempo isso não se encontra só na religião. Aliás, neste tempo, parece que a tendência é encontrar a espiritualidade fora da religião. Se encontrar espiritualmente significa se aproximar do sopro da vida. Tudo aquilo que aprofunda o nosso sopro, nos acalma internamente e coloca a vida dentro de nós alimenta o nosso espírito, e não importa onde eu encontro isso, se numa religião, na natureza, ou lá fora, nos grupos filosóficos e espirituais, desde que eu esteja muito conectado a mim mesmo eu me alimento onde eu estiver, pois eu estou onde a minha alma está.
E qual a importância dessa espiritualidade?
Quanto mais nós alimentamos nosso sopro interior, mais nós teremos um ser humano inteiro. Por exemplo, eu preciso saber quem é meu mestre, que não é necessariamente um guru. O mestre é o que eu acredito, o que de fato creio no meu mais profundo. Quando minha crença é ligada ao meu ser mais profundo, ela me dá esperança e me mantém encantado com a vida. O que é que conduz a sua vida nesta época? O que faz com que você vibre? E o que eu acredito realmente me alimenta? Porque tem fontes que são jorrantes de água pura e viva, e tem outras que são cisternas que se esvaziam. Segunda coisa, é muito importante a egrégora à qual eu gostaria de pertencer ou pertenço. Porque ninguém se cura sozinho e ninguém cura ninguém, assim como Paulo Freire dizia que ninguém educa ninguém e ninguém se educa sozinho, a meu ver ninguém nesse mundo realiza um propósito sozinho, nem realiza o propósito de outro. Então é preciso estar junto com pessoas que são próximas do nosso propósito, aquelas pessoas que é fácil estar com elas, que são muito parecidas e de certo modo vibram em torno da mesma sintonia, da mesma fonte, da mesma vibração energética, que depois na realidade se revela num jeito parecido de pensar, de ver o mundo e a vida, e de se organizar. É por isso que espiritualidade é soprar juntos, é respirar juntos, respirar com. Quando você fica perto do seu sopro e de pessoas que conspiram com você, vai ter uma direção para todas as coisas, vai ter o lugar certo, as pessoas certas, os passos certos, e isso se chama viver na graça. Quando você vive profundamente o senso do ser que você é, no seu propósito, é como se fluísse num rio que vai em direção do mar com uma fluidez leve e serena, apesar de passar por curvas e cachoeiras, você sabe que esse é o percurso do seu rio em direção ao mar.
Agende-se
:: O quê: 2º Congresso Nacional de Espiritualidade.
:: Quando: dia 5 de maio, das 8h às 18h30min.
:: Onde: no UCS Teatro, em Caxias do Sul.
:: Quanto: R$ 229, à venda nas lojas Drops de Menta, Amêndoa Doce e Serrana Tecnologia Integrada e no site bit.ly/2CongressoNDE. É possível parcelar em 3x nos pontos de venda e em 10x no site (há taxas).
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