O mesmo carinho com o qual uma Leandra Leal ainda criança olhava para as artistas travestis que se apresentavam no Rival – teatro de sua família e no qual ela cresceu – é preservado na maneira como ela olha para essas personagens agora, só que através de uma câmera. Divinas Divas, documentário que marca a estreia de Leandra na direção, é uma homenagem à trajetória de oito artistas que movimentaram o teatro de variedades no Rio de Janeiro dos anos 1960 e 1970. Ao mesmo tempo, é um retrato tocante sobre um ambiente no qual a diversidade sempre foi aceita e incluída: o palco. O filme, premiado pelo júri popular no festival South by Southwest (SXSW), estreia hoje na sala Ulysses Geremia, em Caxias do Sul.
A abertura do longa tem cara de clipe. As oito personagens são apresentadas ao espectador enquanto a voz envolvente de Nelson Gonçalves exclama: Cansado de tanto amar/ Eu quis um dia criar/ na minha imaginação/ uma mulher diferente,/ de olhar e voz envolvente,/ que atingisse a perfeição. A canção Escultura ganha um sentido novo, remetendo a histórias de homens que ousaram tirar essa figura feminina da imaginação e deixá-la invadir suas vidas. Divinas Divas acompanha as artistas Rogéria, Valéria, Jane Di Castro, Camille K, Fujika de Holliday, Eloína dos Leopardos, Marquesa e Brigitte de Búzios. Dentre todas essas, apenas a personagem Marquesa aparece em cena vestida como homem – ela decidiu deixar a identidade feminina somente para os palcos por respeito à mãe, que nunca lidou bem com a situação. A rejeição, aliás, está presente em praticamente todas as histórias individuais contadas no filme. Afinal, a trajetória dessas artistas remete a um Brasil assolado pela ditadura e a uma sociedade ainda pouco aberta à inclusão.
Um dos trunfos do documentário, no entanto, é explorar os grandes feitos de cada uma dessas personagens e não somente seus dramas. Todas elas foram muito amadas – em cima e fora dos palcos – e isso se materializa por meio de histórias como a de Jane Di Castro e seu marido, juntos há mais de 40 anos. Também chama atenção o empreendedorismo de Eloína dos Leopardos, que criou toda concepção do famoso Baile dos Leopardos e ganhou muito dinheiro com isso. Já Brigitte de Búzios surpreende contando sobre suas experiências em Nova York, onde frequentava o icônico bar CBGB’s para ver sua musa inspiradora, Debbie Harry (vocalista da banda Blondie).
As trajetórias pessoais das oito artistas são costuradas por cenas dos bastidores da preparação do grupo para uma espetáculo novo, que encerra o filme. As peças musicais impressionam, seja por conta do talento vocal ou da desenvoltura performática das artistas, todas já com idades próximas dos 70. A narração em tom pessoal de Leandra Leal também interliga as histórias, cruzando sua própria trajetória com a das travestis de forma natural e até poética. “Pelo olhar das divas, meu passado ganhou um brilho que eu não conhecia”, diz a diretora, durante o filme.
Além de apresentar às gerações mais novas um recorte preciosíssimo sobre a primeira geração de travestis a alcançar o estrelato no Brasil, Divinas Divas é também uma celebração à arte – que "é divina demais para ser normal", como sentencia a personagem Camille K.
PROGRAME-SE
O que: documentário Divinas Divas, de Leandra Leal.
Quando: estreia nesta quinta e e fica em cartaz até o dia 18, com sessões de quinta a domingo, sempre às 19h30min.
Onde: Sala de Cinema Ulysses Geremia (Luiz Antunes, 312).
Quanto: R$ 10 (geral) e R$ 5 (estudantes, beneficiários do ID Jovem, idosos e servidores municipais).
Duração: 110min
Classificação: 14 anos
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