Artistas e produtores culturais de Caxias do Sul se mobilizaram na manhã deste sábado em sinal de protesto ao não cumprimento da lei que determina o percentual de recursos que devem ser investidos pela Secretaria Municipal da Cultura no Financiarte. A partir das 10h30min, os profissionais da arte apresentaram uma série de performances com o objetivo de "presentear a cidade com sua arte".
— Vivemos um momento muito muito delicado, e é triste termos que explicar para os gestores públicos qual a importância da cultura. Ter que explicar que uma lei não está sendo cumprida. A Secretaria Municipal da Cultura completou 20 anos em 2017 e, independentemente do partido ou da ideologia que passou pela prefeitura, o incentivo cultural sempre se manteve. É um crime o que estão fazendo — disse a presidente do Conselho Municipal de Política Cultura, Caliandra Troian.
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A lei à qual Caliandra se refere é a 6.967. Publicada no dia 30 de julho de 2009, ela determina que o valor destinado ao incentivo cultural no município não poderá ser inferior a 1% e superior a 2% da receita proveniente do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Ocorre que a verba, que nos últimos dois anos foi de R$ 2 milhões, encolheu para R$ 600 mil em 2017, bem abaixo do R$ 1,8 milhão esperado pela comunidade cultural, tendo como base o total de impostos arrecadados até setembro (R$ 180 milhões) e ainda menor do que os R$ 2,4 milhões previstos na lei orçamentária aprovada pelos vereadores no fim de 2016. Com isso, dos 184 projetos inscritos no edital deste ano, apenas 18 puderam ser contemplados.
A primeira parada da manifestação foi no cruzamento da Avenida Júlio de Castilhos com a Rua Dr. Montaury. Cada vez que o semáforo fechava, palhaços, músicos, atores, malabaristas e bailarinos coloriam a esquina e provocavam sorrisos em quem passava. Tudo embalado pela canção Música Boa Para Acordar, entoada em coro pelos participantes e que virou uma espécie de hino para o coletivo Cachinhos do Sul.
— É lamentável. São anos de retrocesso. Entendemos que uma cidade com arte e com cultura deva permanecer. Da forma como ele (prefeito Daniel Guerra) está trabalhando, ele está nos levando a, praticamente, 20 anos de retrocesso — disse o produtor cultural Cláudio Troian, que decidiu declamar poesias de autores locais durante o ato.
Embora carregado de frustração, o movimento chamou a atenção pela união dos artistas em torno da causa. A artista plástica Giovana Mazzochi instalou-se no trevo localizado na esquina da Dr. Montaury com a Rua Sinimbu. Lá, pintava corujas coloridas. E refletia:
— A sensação é, ao mesmo tempo, de frustração, pelos anos de cultura que estão sendo desvalorizados, mas também é muito bonito ver essa união dos artistas. Acho que essa decisão da prefeitura é mais um ataque moral do que político. É mais do que uma questão financeira. Ainda não entendo o que está por trás disso.
A atriz e diretora de teatro Zica Stockmans também tentava encontrar uma explicação:
— Por ter acompanhado tantas fases da cultura em Caxias estou chocada. Há um retrocesso muito absurdo. A gente vai acabar entrando, ao longo do tempo, numa fase muito obscura. Esses incentivos vêm fomentando, trazendo gente pra dentro da arte. Muitos são projetos artísticos e sociais ao mesmo tempo. Se nós cortamos da forma tão radical como está sendo cortada, até com uma ameaça de se perder a Secretaria da Cultura, daqui a pouco a gente vai sentir a aridez cultural e todas as consequências que vêm junto dessa aridez — diz ela, que trabalha com arte em Caxias há 27 anos.
Seguindo o mesmo raciocínio de Zica, o artista plástico Douglas Trancoso lembrou da diminuição de oferta dos produtos culturais à população como consequência do encolhimento da verba. E reclamou da falta de abertura da prefeitura para que fosse chegado a um consenso:
— Se houvesse diálogo da parte deles, do governo, eles poderiam solicitar uma ajuda da gente nas questões que estão sendo prejudicadas pela crise, e não afastar a gente. "Como os projetos de vocês poderiam ajudar mais na saúde? Como poderiam ajudar mais na educação." E não fazer esse tipo de boicote que estão fazendo.
Perto do meio-dia, a professora Horandina Xavier, 62 anos, cruzou a Dr. Montaury, próximo à Sinimbu, aplaudindo os participantes do ato, em sinal de incentivo à mobilização. Apreciadora da arte e frequentadora assídua de espetáculos de música e teatro, lamentou a decisão do governo municipal de reduzir a verba para o Financiarte:
_ É um absurdo o que a prefeitura está fazendo com a cultura. Um povo sem cultura é um povo sem educação.
No dia 1º de dezembro, o Ministério Público instaurou um inquérito civil público para esclarecer a questão. Nas últimas terça e quarta-feiras, a promotora Janaína de Carli dos Santos se reuniu com representantes do Executivo e deve decidir em breve o encaminhamento que será dado ao caso.
A reportagem ligou para o celular funcional do secretário municipal da Cultura, Joelmir da Silva Neto, mas ele não atendeu.