Em tempos de reflexões cada vez mais amplas sobre a representatividade feminina, o longa brasileiro As Duas Irenes lança olhar criativo sobre o tema. Estreia de hoje na Sala de Cinema Ulysses Geremia, o primeiro longa do diretor goianiense Fabio Meira aposta na irmandade entre duas adolescentes como condutora central da trama. É a tal sororidade – termo que designa a empatia/aliança entre as mulheres – a brotar em meio a um ambiente muito conservador e machista. Selecionado para a mostra Generation do Festival de Berlin, a produção levou quatro prêmios no Festival de Gramado (melhor ator coadjuvante, para Marco Ricca; roteiro; direção de arte e melhor filme pelo júri da crítica) e fica em cartaz em Caxias somente até este domingo.
O filme parte do primeiro contato da adolescente Irene (Priscila Bittencourt) com outra Irene (Isabela Torres). As duas têm 13 anos, vivem em vilarejos próximos e são filhas do mesmo pai. A primeira Irene é quem descobre a família secundária do pai e resolve se aproximar da meia-irmã e de sua mãe, sem contar quem ela realmente é. A impressão que se tem de início é que ela trama algo contra a suposta amante e a filha bastarda do pai. Só que Irene passa a nutrir certa admiração pela meia-irmã, que tem tudo que ela gostaria de ter: um corpo mais desenvolvido, desenvoltura com os garotos, uma mãe mais carinhosa e divertida, etc. Aos poucos, as duas Irenes passam a mergulhar numa amizade tão pura quanto complexa.
O fato das protagonistas serem adolescentes deixa a história mais rica, pois uma influencia a formação da identidade da outra. Dividindo as descobertas normais da idade, as duas se conectam e a Irene da família "oficial" começa a se integrar à família "secundária". Em várias tomadas, o diretor brinca com a ideia do duplo, sugerindo a união de duas partes da mesma "matéria". Um exemplo é a cena na qual uma das meninas chama pela outra num ambiente que gera um grande eco quando ela repete o nome Irene.
Em algum momento, no entanto, a figura do pai surgirá entre as garotas. E justamente na figura do pai, Tonico (vivido por Marco Ricca, em grande performance), é que mora uma das peculiaridades do roteiro de As Duas Irenes. Numa trama dominada por figuras femininas fortes, Meira optou por não mergulhar o principal personagem masculino na completa vilania. Tonico surpreende o espectador com uma personalidade ao mesmo tempo sacana e envolvente. É claro que o espectador se incomoda ao assistir o personagem repetir diariamente o ritual de "homem da casa tradicional" – que inclui roncar alto, sentar à mesa só para comer e deitar no sofá esperando que uma das filhas tire suas botas – mas há nele uma certa complexidade capaz de estabelecer uma conexão forte com a história, principalmente por meio do afeto com a Irene da família oficial.
Filmado no interior de Goiás, com uma equipe pequena em se tratando de longa-metragem, As Duas Irenes não situa a história em tempo ou lugar. Trata-se de um recorte delicado sobre a vida conservadora (onde uma festa de debutante é o acontecimento do ano, por exemplo) e sobre o trânsito de diferentes perfis femininos nesse ambiente.
PROGRAME-SE
O quê: filme As Duas Irenes, do diretor Fabio Meira
Onde: Sala de Cinema Ulysses Geremia (no Centro de Cultura Ordovás)
Quando: estreia hoje e fica em cartaz até domingo, com sessões às 19h30min
Quanto: R$ 10 e R$ 5 (estudantes, idosos e servidores municipais)
Duração: 89min
Classificação: 14 anos