Em 1879, o dramaturgo norueguês Henrik Ibsen levou para os palcos uma discussão sobre o papel da mulher na sociedade com a emblemática peça Casa de Bonecas. A personagem central da história, Nora, chocou as plateias da época evocando uma temática feminista que, hoje, ganha novos contornos mas segue no olho do furacão. Em Como Nossos Pais — filme que finalmente ganha estreia em Caxias nesta quinta na Sala de Cinema Ulysses Geremia —, a personagem central, Rosa (Maria Ribeiro), está escrevendo uma continuação para a Nora de Ibsen enquanto enfrenta uma série de dramas pessoais. A referência no longa dirigido por Laís Bodanzky é sutil, mas ajuda a compreender um dos objetivos da obra: atualizar a pensata sobre a situação social da mulher. Bom é que essa reflexão vem embalada num roteiro divertido e emocionante, capaz de envolver até mesmo o espectador não muito afeito a discussões sobre patriarcado e empoderamento.
A Rosa de Como Nossos Pais é um exemplar clássico da mulher contemporânea que tenta ser boa mãe, boa filha, boa esposa, boa profissional, etc. Acontece que tudo começa a sair do eixo em todos esses âmbitos e caberá à protagonista reencontrar sua própria essência em meio ao caos. Ao mesmo tempo, Rosa terá que enfrentar uma crise no casamento com Dado (Paulo Vilhena), uma crise na relação com as filhas (principalmente com a mais velha, pré-adolescente) e uma grande crise de identidade por conta de uma notícia bombástica trazida pela mãe.
Cada um desses universos presentes na vida da personagem ganha luz própria na telona por meio de diálogos bem escritos e de fácil identificação com o público — apenas mais uma prova do talento de Laís Bodanzky para falar de importantes temas domésticos, como a diretora já havia feito em Bicho de Sete Cabeças (2000) e As Melhores Coisas do Mundo (2010), por exemplo. O contexto do casamento ganha uma discussão ampla, e talvez seja o subtexto capaz de causar maior repercussão com o público. Em cena, desfilam discussões a respeito de fidelidade, confiança, divisão de tarefas, companheirismo e, claro, sexo (ou a falta dele).
A relação de Rosa com a mãe, no entanto, é a que carrega maior força dramática na tela. O embate entre gerações que inspira o nome do longa está principalmente representado nos conflitos entre as duas. Mas não se trata da mãe antiquada brigando com a filha moderninha, pelo contrário, Rosa é filha da geração da contracultura dos anos 1960 e tem dificuldade para lidar com a personalidade libertária da mãe. Entre as lições nada convencionais que Rosa aprende com a mãe (numa atuação primorosa de Clarisse Abujamra) está, por exemplo, a de que "assumir a transgressão faz bem".
Principal vencedor do Festival de Cinema de Gramado, Como Nossos Pais levou seis kikitos: melhor filme, direção, atriz (Maria), ator (Vilhena), atriz coadjuvante (Clarisse) e montagem. A coleção de prêmios dá uma dica sobre a qualidade da obra, mas a profundidade da temática tratada sugere bem mais que somente um bom filme. Laís apropria-se do papel de diretora roteirista – atividades ainda pouco exploradas pelas mulheres no Brasil — para fazer o público espiar a inquieta alma feminina.
PROGRAME-SE
O quê: filme Como Nossos Pais, de Laís Bodanzky.
Quando: estreia quinta-feira e fica em cartaz até o dia 15 de outubro, com sessões de quinta a domingo, às 19h30min.
Onde: Sala de Cinema Ulysses Geremia (Luiz Antunes, 312).
Quanto: R$ 10 e R$ 5 (estudantes, idosos e servidores municipais).
Duração: 102min.
Classificação: 14 anos.