– A gente na cama é mau-caráter.
A frase que faz uma legião em torno de 500 pessoas rirem no auditório do hotel Intercity, em Caxias, em plena quinta-feira à noite, pode ter sentido dúbio, mas é um fato pleno e absoluto sobre o comportamento do ser humano moderno. A sentença é dada pelo médico oncologista e escritor brasileiro Drauzio Varella – conhecido por popularizar a medicina através de programas de rádio e TV e por escrever o livro que inspirou o filme Carandiru – ao discorrer sobre a dificuldade humana em realizar atividades simples, como levantar da cama e fazer exercícios:
– A gente na cama é mau caráter. Diz que hoje não dá, que amanhã eu vou. Se você tiver esse pensamento, você não faz exercício nunca. De manhã, quando sai da cama, o que você quer fazer? Tomar um bom café, ler o jornal. Agora, levantar da cama, colocar um tênis, um calção ou uma camiseta e sair pra fazer exercício é um terror. É uma tragédia pessoal. Nessa hora cai nos ombros da gente cinco milhões de anos de evolução. Todos os nossos antepassados economizavam energia, nós vamos desperdiçar agora? Não estamos preparados pra isso. Quando eu desço do meu apartamento e chego na rua eu saio correndo, imediatamente. Naquele primeiro quilômetro eu sou tomado pelo pensamento que nada justifica passar o que estou passando. Se esse papo de disposição fosse verdade, eu teria sentido isso um dia em 24 anos em que corro – brinca.
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Para a plateia atenta, o médico faz a famosa pergunta:
– Quantos de vocês aqui fazem exercício por 40min, cinco vezes por semana?
Das 500 mãos que poderiam aparecer, nem mesmo 5% se manifestou.
– Se eu tivesse perguntado: fazer exercício faz bem? 100% de vocês levantariam a mão. Todo mundo sabe que faz bem, então porque ninguém faz? – instigou.
Por duas horas, em um clima descontraído e com uma taça cristalina de água nas mãos, Drauzio tratou de temas como saúde, drogas, alimentação, estresse e obesidade. Em um cotidiano onde não paramos um minuto e estamos sempre correndo em meio uma miríade de atividades, quem decidiu sentar-se por um momento e refletir sobre seus hábitos saiu de lá com uma certeza: estamos fazendo errado, sabemos que estamos fazendo errado e sempre é tempo para mudar.
Fartura x Controle
Os avanços da agricultura e da preservação de alimentos permitiram a obtenção de alimentos de ótima qualidade a um preço muito acessível. Qualquer pessoa da classe média brasileira hoje se alimenta muito melhor do que os nobres da Idade Média. Porém, Drauzio alerta que isso tem dois lados: se por um lado as pessoas estão melhor nutridas, por outro passam a ter acesso a uma grande quantidade de alimentos, e comem muito mais do que precisam:
– De um lado comemos mais do que necessário, e do outro lado nos movimentamos menos do que precisaríamos. Qual é a consequência desse binômio? Diabetes e pressão alta. Essas doenças figuram hoje em dia como comuns, porém não são. Ao as aceitarmos como normais, entendemos que o adoecimento é uma consequência do envelhecimento. E não é.
Ano passado um estudo comprovou que pela primeira vez desde o século 19, nos Estados Unidos, a expectativa da população diminuiu em relação à anterior. Essa geração de americanos vai viver menos. Lá, 75% da população está acima do peso, 35% são obesos mesmo, 10% dos adultos têm obesidade mórbida. Entre os principais problemas do nosso modo de vida moderno está a obesidade. Quanto à isso, Drauzio foi direto:
– A obesidade é um pacote. Envolve o paladar, o gosto, a sensibilidade das papilas gustativas, é muito mais complexo que dizer que alguém come demais. Vai muito além disso, por isso que é tão difícil perder peso. Tem gente que se aplica mesmo, mas perde com muita dificuldade. Essas pessoas têm que olhar pra comida como a gente olha pra bebida, é bom, mas em excesso faz mal. Essa mania brasileira de levar os pratos na mesa _ feijão, arroz, bife, batata, salada. A gente acaba começando nas comidas quentes, porque senão vai esfriar, e deixa a salada pro final. Eu sou sempre a favor de começar pela salada. Porque o fundamental é a dieta de fibras, e porque são alimentos menos calóricos, e a gente descarrega a ansiedade que a fome traz em alimentos com baixo teor energético.
O mal do século
Segundo o médico, o estresse é uma palavra muito mal empregada atualmente. Quem passa o dia irritado, pega um pouco de trânsito para chegar em casa e diz que está estressado, na verdade não está. É só chegar em casa, por um chinelo, ligar a televisão e isso acaba. Para Drauzio, o problema vai além:
– Primeiro, o estresse é um mecanismo absolutamente natural. Não fosse o estresse, a gente não estaria aqui. Na época das cavernas, um homem saia da caverna e dava de cara com um leão. Alguma coisa tinha que acontecer no corpo dele, uma liberação de mediadores químicos que iriam prepará-lo para as duas únicas alternativas naquele momento: o enfrentamento ou a fuga. Qualquer uma das alternativas vai ter o exercício físico. Hoje ninguém encontra um leão na rua, o estresse do mundo moderno é um conjunto de pequenos fatores. É o trânsito, o emprego, o filho que vai mal na escola, a crise. Nada disso vai fazer a pressão subir tanto, mas vai subir um pouco. O coração vai trabalhar um pouco mais acelerado. Só que ao contrário daquela situação de perigo, isso agora acontece direto, 24h por dia, 30 dias no mês, o ano inteiro. E a tendência é piorar.