A arte sempre fez parte da vida de Klemente Tsamba. Nascido em Maputo, capital de Moçambique, ele se envolveu desde cedo com música de rua, hip hop, teatro amador e outras artes performáticas. Foi a arte que o levou a se radicar em Lisboa, Portugal, dando importantes passos na carreira de ator, e é a arte que o traz, nesta semana, a Caxias do Sul, onde ministra oficina, apresenta o espetáculo teatral Nos Tempos de Gungunhana e faz show musical.
O extenso currículo de Tsamba inclui participações projetos de teatro, música, artes plásticas e arte-educação. A vertente de ator já transitou por peças mais clássicas, como Conto de Natal e Peter Pan, mas ganha destaque principalmente com os trabalhos voltados à cultura de sua terra natal – como a peça que será apresentada em Caxias, que se baseia em relatos orais e em contos do livro Ualalapi, do premiado escritor moçambicano Ungulani Ba ka Khosa.
– A cultura moçambicana é muito rica – diz o artista.
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Infelizmente, acrescenta, ela ainda é pouco conhecida por aqui, e é justamente para mostrar um pouquinho mais dessa cultura que ele está realizando um tour pelo Brasil. Na última semana, fez uma série de apresentações em Porto Alegre. Aqui, além da peça – que poderá ser conferida quinta-feira no Teatro Pedro Parenti e na qual Tsamba se desdobra em vários personagens para relatar a vida do rei tribal Gungunhana –, ele ministra nesta terça uma oficina de ritmos, danças e jogos teatrais, no Centro de Cultura Ordovás, e no sábado faz show musical que mescla ritmos tradicionais moçambicanos a ritmos afros contemporâneos, no Zarabatana Café.
As atividades em Caxias são uma promoção da Unidade de Teatro da Secretaria Municipal da Cultura e do Teatro do Encontro.
Confira a entrevista de Tsamba ao Pioneiro:
Pioneiro: Como surgiu a vontade de fazer um espetáculo que retomasse a cultura moçambicana?
Klemente Tsamba: A cultura moçambicana é muito rica em vários aspectos, desde a música tradicional, a literatura, os provérbios, as histórias enfim, e eu vivia nessa altura no sul de Portugal, uma cidade do interior alentejano chamada Beja, foi aí onde tudo começou. Eu tinha uma vontade enorme de dar a conhecer a minha cultura à comunidade em que eu já estava inserido.
"Nos tempos de Gungunhana" é descrito como "um conto cantado e dançado". O que o público pode esperar?
É conforme a descrição, ou seja, o conto ou os contos são de alguma maneira acompanhados ou intercalados por cânticos e ritmos africanos em que o público também é convidado a participar.
Como se dá a relação do seu teatro com a literatura?
Eu comecei a fazer teatro a partir de textos adaptados do universo da literatura moçambicana. Não havia e penso que continua a não haver textos escritos para teatro no meu país, e eu já tinha algumas obras de eleição que gostaria de trabalhar um dia. É de forma natural que Nos Tempos de Gungunhana surge a partir do livro Ualalapi, de Ungulani Ba ka Khosa, de onde tirei alguns dos contos da peça.
Você atua também com música, arte educação, artes plásticas. Como você vê e trabalha a convivência dessas múltiplas artes?
Desde muito novo que entrei em contato com várias expressões artísticas, seja por meio de grupos de atuação informal ou de grupos de teatro comunitário. Por isso nas minhas criações desempenho inúmeras funções, desde a criação cenográfica, a criação dos jogos rítmicos ou composição musical até a representação de personagens em palco. Enfim, eu defino-me com um artista atuador, e essa minha forma de viver a arte muitas vezes contagia a comunidade em que estou inserido. Como gosto de partilhar essas experiências, atuo nessas áreas todas e, durante a minha formação, centrei as minha atenções na educação por meio da arte. Atualmente leciono expressões artísticas integradas em algumas escolas de Lisboa.
Seu projeto Poesia com Tempero incluiu poesias brasileiras, moçambicanas e portuguesas. Além do idioma, você vê algum ponto de contato no fazer poético desses três países?
Em Poesia com Tempero, um projeto que desenvolvi com uma atriz brasileira, nós selecionamos alguns poemas cujos autores escreviam em um português característico da sua própria proveniência, poetas que escreviam sobre a beleza das mulheres do seu país, sobre a beleza das paisagens que conheciam, por exemplo, e foi interessante encontrar essa comunhão em vários autores...
Aliás, o que aproxima e o que diferencia, na sua opinião, a cultura de Moçambique e Brasil?
Sem dúvida que a língua, ou seja, o português torna mais fácil a nossa ligação, partilhamos também a paixão pela representação. Todos sabem do impacto da televisão brasileira nos países que falam português, o Brasil tem um poder enorme sobre os outros países quando o assunto é as artes cênicas também, e não só. Então, como se pode imaginar, os atores brasileiros, principalmente os negros, são uma referência para os seguidores moçambicanos. Mas infelizmente tenho tido a percepção de que a cultura moçambicana não é sequer conhecida no Brasil, mas enfim, o Brasil também é enorme.
Não faltaria, talvez, uma maior divulgação da produção cultural moçambicana no Brasil, e vice-versa?
É como eu dizia, Moçambique é um país que não consegue se fazer ouvir no que toca à riqueza das suas artes, da sua cultura no Exterior. Muito do que sai para fora trata-se de um esforço às vezes descomunal de alguns grupos ou projetos particulares, porque a estratégia de difusão cultural é deficiente. No entanto o Brasil tem um centro cultural cada vez mais forte em Moçambique.
Além de Ungulani Ba Ka Khosa, autor do livro em que "Nos tempos de Gungunhana" se baseia, quem você destacaria entre os nomes da literatura moçambicana contemporânea?
Mia Couto e a Paulina Chiziane, sendo que o primeiro é mais conhecido entre os brasileiros, estudiosos ou não.
E dos nomes da cultura brasileira em geral, quem chama sua atenção, e por quê?
Millôr Fernandes e Luis Fernando Verissimo. Eles têm uma escrita muitíssimo inteligente, admiro o seu humor e são os autores cujos textos adorava adaptar para teatro.
Como tem sido, até agora, tua experiência com as apresentações e oficinas aqui no Brasil?
As oficinas são como que uma apresentação de Moçambique como país, a sua cultura, por meio das danças tradicionais, um momento de desconcentração e animação. A apresentação da peça Nos Tempos de Gungunhana tem sido fantástica, ainda há poucos dias fui apresentar a peça no Restinga, um bairro de Porto Alegre que, claro, nunca tinha ouvido falar, e poder me apresentar para uma comunidade inteira, avós, mães, pais, jovens do hip hop, capoeira, enfim, foi uma gratificação do outro mundo vê-los desfrutarem do espetáculo com tanta animação, geralmente sinto-me em casa quando estou no Brasil. A minha linguagem é Africa e a África está também dentro do Brasil.
Agende-se
Oficina de ritmos, danças e jogos teatrais de Moçambique
Quando: nesta terça, às 19h.
Onde: Sala de Teatro Valentim Lazarotto, no Ordovás (Rua Luiz Antunes, 312).
Quanto: R$ 60; inscrições pelo e-mail andrecxs@uol.com ou pelo fone (54) 98402-2435.
Peça "Nos Tempos de Gungunhama"
Quando: quinta-feira, dia 29, às 20h.
Onde: no Teatro Pedro Parenti, na Casa da Cultura (Rua Dr. Montaury, 1.333).
Quanto: R$ 20, R$ 15 (classe artística e servidores municipais) e R$ 10 (estudantes e idosos).
Show musical
Quando: sábado, dia 1º, às 21h30min
Onde: no Zarabatana Café, no Ordovás
Quanto: entrada franca
Cultura
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Maristela Scheuer Deves
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