O que um homem nascido há 271 anos pode ter em comum com outro que está na plena flor dos seus 45? Quase três séculos depois e tudo continua mais ou menos igual. Perdão: se algo mudou, foi para pior. O que conecta o dentista de São João del Rey com o juiz de Curitiba é que, para ambos, por dever de ofícios, mesmo diferentes, não houve quem tenha ficado de boca fechada. O mais antigo arrancava dentes assim como o novato vai arrancando segredos de confissões, com as gargantas profundas. Mas, verdadeiramente, o que mais os aproxima e assemelha é o amor pela pátria e a rejeição da gatunagem, maculando a história de um povo.
Ao que apelidaram de Tiradentes resultou um dos mais autênticos e bravos patriotas, conspirando contra os desmandos da monarquia lusitana – o Petrolão da época – taxando impostos escorchantes e saqueando o ouro e as pedras preciosas. Joaquim José da Silva Xavier esgotou sua paciência diante da descarada usurpação e berrou que soara a hora de expulsar os vendilhões do templo.
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Conjurando com cabeças-pensantes, intelectuais caldeados por espíritos libertários, esse homem que guarda, indelevelmente, certa similitude com Jesus Cristo, até mesmo pelo hediondo desfecho que suas vidas sofreram, consagrou-se como o mártir brasileiro por excelência. Sua rebeldia custou-lhe caro: a própria
vida. Traiçoeiramente dedurado como abominável infame, condenaram-lhe ao enforcamento cruel, seguido do posterior esquartejamento que acabou sendo a sua glorificação. O corpo cortado em quatro pedaços pendurados nos postes e a cabeça pregada numa árvore até que toda carne fosse consumida pelos abutres. Ironia das ironias: apenas 30 anos depois o jovem Pedro I iria declarar a nossa independência, limpando a barra do “subversivo” mineiro.
Hoje, o nosso moderno cavaleiro andante da esperança Sergio Moro galopeia na cruzada do extermínio da espoliação e do esbulho orquestrado pelos crápulas do Planalto – pilhando nosso ouro e nossas pedras preciosas, à moda portuguesa. Admirado como herói nacional, riscou de seu vocabulário a palavra medo. Apesar das dezenas de ameaças de morte. Destemido, tanto quanto Tiradentes, extirpou da Odebrecht, que se achava acima do bem e do mal, as delações que ela desdenhava, abrindo as perninhas e dando com a língua nos dentes. E essa família poderosa, mas arrogante e safada, corrompendo os falsos fariseus tem a suprema pretensão de passar recibo de santidade. O Marcelinho virou santinho do pau oco. Certo: ajudou a botar os políticos canalhas no cadafalso e esquartejou moralmente os seus prestígios. Só falta os abutres devorá-los não deixando pele sobre pele...