O pacto de Alexandre Slide não foi feito na encruzilhada, nem foi trato com o diabo, como reza a lenda do bluesman Robert Johnson. À beira dos 50 anos, Slide pactuou por sua volta à cena com Alexandre Gomes, o homem por trás de um dos músicos mais talentosos que Caxias já produziu, mas cujos caminhos percorridos fizeram o talento se perder por nebulosos anos de abusos e, como o próprio define, queimação geral. Disposto a recuperar o tempo e o prestígio perdidos, retorna aos palcos pelas beiradas, com shows esporádicos no bar Pittsburgh e numa loja de instrumentos musicais no Centro, primeiras casas a recebê-lo na nova fase. Nesta terça-feira, irá mandar o som no Mississippi Delta Blues Bar, onde ele e seu violão se sentem em casa.
Quem acompanhou a noite caxiense nos anos 90 pôde ver a melhor fase de Slide, cuja alcunha se deve à técnica apurada com a esfera de metal presa ao dedo mínimo da mão esquerda, para deslizar (slide, em inglês) pelas cordas do violão. Assim como o chapéu de couro e a jaqueta jeans, o uso do acessório, também chamado de bottleneck (gargalo), virou uma marca registrada.
– Para desenvolver esse estilo, me inspirei muito no Ry Cooder, que fez a trilha sonora de Paris, Texas. Fiz o meu primeiro slide com o bico de uma garrafa de vodca quebrada – recorda.
Naqueles anos, Alexandre rodava por bares como o Voo Livre, Hora Extra, Holy Beer e Ponto de Vista, todos já extintos. Mais tarde foi figurinha carimbada do Revival e do Aristos, onde chegou a ser contratado para tocar de terça a sábado, regularmente. Foi quando o álcool e as drogas fizeram as coisas fugirem do controle.
– Perdi várias oportunidades porque extrapolava. Acabava com uma garrafa de conhaque durante um show, comecei a queimar o filme. As datas foram diminuindo até chegar uma época em que eu não tocava mais em lugar nenhum. Tive uma depressão muito grande, que só curei quando percebi que o problema não era os outros, mas sim eu mesmo. E que eu precisava fazer o que um homem tem de fazer, que é dar o primeiro passo – desabafa.
A tomada de consciência veio após a terceira passagem pela Pastoral de Apoio ao Toxicômano Nova Aurora, a Patna, em Caxias. As temporadas nunca passaram de três meses, pois sempre se considerava pronto para voltar à vida normal antes do previsto. Para um artista com o blues correndo nas veias, poucas missões podem ser tão ingratas quanto dormir às 21h30min e acordar às 6h. Ao deixar a clínica no fim do ano passado, prometeu a si mesmo frequentar pelo menos um grupo de apoio. Duas vezes por semana, comparece ao Narcóticos Anônimos, no bairro Lourdes. Mais velho de sete irmãos, pai de duas filhas adultas e avô de seis netos, aos poucos também tem resgatado a confiança da família.
– Semana passada eu estava tocando no Pittsburgh e meus irmãos e sobrinhos vieram assistir. Foi uma surpresa que me deixou emocionado e mais motivado a fazer a coisa certa por aqueles que me dão força. É um recomeço do zero. Cair é fácil, mas levantar é muito difícil – reflete.
Além das apresentações ainda escassas, Alexandre incrementa a renda com algumas aulas a jovens dispostos a aprender a técnica da slide guitar. Mora sozinho em um quarto alugado no Centro, e procura um emprego formal para conciliar com a música e garantir um sustento bacana. Para quem o assistiu 20 anos atrás ou na semana passada, a certeza é a mesma que ele compartilha com entusiasmo: voltar a ser Slide, só depende do Alexandre.
O que dizem de Slide
"Quando assisti o Slide pela primeira vez, fiquei impressionado com o volume que ele tira do violão, pela força da batida. Também foi o primeiro que vi usar o violão folk para fazer um som percussivo, como se fosse uma banda tocando. Foi uma influência muito grande pra mim. Ele tem um trabalho instrumental que nunca foi lançado, mas que é das coisas mais interessantes que vi em termos de violão"
André Viegas, guitarrista
"Lembro de chegar a Caxias no fim dos anos 90 achando que ia abafar, porque tinha aprendido a tocar slide com o Márcio Petracco. Quando me convidaram pra assistir o Slide no Revival, fiquei espantado com o domínio que ele já tinha da técnica e da personalidade do som dele, que não imita ninguém. É uma lenda da música de Caxias"
Tomás Seidl, guitarrista
Serviço
O quê: Alexandre Slide Acústico
Quando: Nesta terça-feira (11), às 21h
Onde: Mississippi Delta Blues Bar
Quanto: R$ 10