De todas as formas que se pode chegar a uma cidade, descobri-la pelo mar talvez só não seja mais fascinante do que fazê-lo a pé. Da varanda da cabine 9027 do MSC Preziosa, imponente navio de cruzeiro sobre o qual detalharei bastante a seguir, descobrir alguns dos contornos mais característicos do Rio de Janeiro conforme a embarcação se aproxima do porto e o dia amanhece é uma experiência que os olhos custam a aceitar como verdadeira. Enxerga-se o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, a ponte Rio-Niterói e o novíssimo Museu do Amanhã, o qual o navio ancora ao lado, junto ao Pier Mauá. Toda essa vista enquadrada pelos infinitos tons de azul do céu e do mar.
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A respeito de um cruzeiro de luxo, o escritor norte-americano David Foster Wallace escreveu um artigo intitulado "Uma coisa supostamente divertida que eu nunca mais vou fazer". Pudesse compor um título livremente inspirado em DFW, daria a esse relato o título "Uma coisa realmente divertida que eu recomendaria aos meus avós fazerem". Não que a experiência de participar da viagem inaugural do Preziosa na temporada, partindo de Santos até a capital fluminense, tenha se resumido a considerar toda a diversão oferecida a bordo mais recomendável à terceira idade, mas um fato é que este parece ser o público que melhor aproveita a viagem. E não há demérito algum nisso.
Em suas 139 mil toneladas distribuídas ao longo de 18 andares, o Preziosa será o maior navio a realizar cruzeiros neste verão no Brasil, com saídas de Santos e Rio de Janeiro rumo a Salvador, além de preciosas escalas em Búzios, Ilhéus, Ilha Grande-RJ, entre outros paraísos tupiniquins. Com capacidade para 4,5 mil hóspedes, pode transportar toda a população de Monte Belo do Sul ou Pinto Bandeira, sem dar qualquer sensação de aglomeração. Para oferecer entretenimento a essa gente que paga algo entre R$ 3 mil e R$ 5 mil por viagens de quatro a sete dias, os italianos da Mediterranean Shipping Company, a MSC, abusam da criatividade: piscinas, jacuzzis, cassino, academia, lojas, teatro, salões de beleza, spa, bares, aulas de dança, seis restaurantes preparados para atender a todo tipo de paladar, além de videogames e fliperamas para entreter a criançada enquanto os adultos desfrutam do menu acima.
Se para a juventude qualquer ambiente com wi-fi, baladas e piscinas garante a festa, talvez o que faça o cruzeiro um programa tão fácil de recomendar para o público de idade avançada seja o fácil estímulo à diversão _ algo mais presente no dia a dia dos mais jovens _; o conforto de ter tudo isso a um clique no andar desejado no elevador e a preocupação que a companhia demonstra ter com a acessibilidade. Impressiona a facilidade com que cadeirantes e bengalistas se locomovem por todos os ambientes do navio, por exemplo, podendo contar sempre com a ajuda de tripulantes cuja relação é de um para não mais do que três hóspedes.
Isso tudo sem falar no conforto das cabines, que ajudam a explicar porque o brasileiro já começa a tomar gosto por literalmente morar no navio de cruzeiro, algo mais comum na Europa. Dependendo do quanto estiver disposto a investir, pode-se escolher uma cabine interna, externa (com janela) ou com varanda (já mencionada). Para famílias mais numerosas, há opções com beliches acoplados ao teto. Clientes da categoria mais vip, chamada MSC Yacht Club, chegam a dispor do aparente exagero de escolher até o tipo de travesseiro para melhor repousar a cabeça. Já as duchas móveis de águas de temperatura uterina e as toalhas tão aconchegantes quanto abraçar um urso panda, estas são democraticamente oferecidas a todos os hóspedes, da mesma forma que as escadas com pedras de cristal swarovski, cujo simples degrau custa R$ 16 mil, também se permitem ser pisadas por qualquer tipo de sapato.
Convite a esquecer da vida, a única noção de mortalidade que se pode ter a bordo é um leve enjoo provocado pelo balanço do mar. Mas basta ir até a recepção pedir um dramin e voltar para a festa ou para o sono tranquilo. Seja o leitor movido pela diversão, pelos prazeres do luxo ou pela curiosidade antropológica, fazer um cruzeiro é uma experiência que vale a pena ser vivida. Se eu faria novamente? O mestre David Foster Wallace que me perdoe, mas tenho a séria impressão que sim.
No fim, é tudo sobre comer e se divertir
Para que os turistas possam se sentir recompensados por cada moeda investida no cruzeiro, um exército de 1,5 mil pessoas de pelo menos 35 nacionalidades se responsabiliza por garantir o funcionamento de cada operação. Enquanto brasileiros e italianos constituem mais da metade da tripulação e a quase totalidade dos postos mais elevados, os serviçais são em grande parte centro-americanos e asiáticos que se expressam nos mais diferentes níveis de afinidade com a língua portuguesa.
Localizada no quinto andar, o mesmo da recepção, a cozinha é o lugar onde trabalha um terço dos 1,5 mil funcionários do navio (à frente dos camareiros). São 230 cozinheiros, 230 garçons e 50 responsáveis pela limpeza. Por uma questão que o diretor de Comidas e Bebidas do Preziosa, Pasquale Russo, explica apenas como tradição em cruzeiros, não há mulheres entre os funcionários da cozinha.Para servir oito refeições diárias aos clientes, em um cruzeiro de uma semana o navio carrega de 15 a 20 toneladas de frutas, 10 toneladas de carne e outras sete toneladas de pescados, cujo abastecimento é feito no porto de Santos. Apenas o presunto e o queijo não são comprados de produtores nacionais, pois chegam da Itália transportados por contêineres.
A padaria, onde 25 mil ovos e oito mil quilos de farinha se transformam em 21 mil pães servidos em uma semana comum, é o único setor que funciona 24 horas por dia. No restante da cozinha, são 20 horas de labuta diária para garantir o direito ao empanturramento dos viajantes.
Não muito menor que a preocupação com a alimentação, o entretenimento também é coisa séria para a companhia de cruzeiros. Entre músicos, atores, técnicos e animadores, o MSC Preziosa destina 82 pessoas para garantir a diversão dos hóspedes. São artistas contratados na Itália, muitos deles brasileiros, que ensaiam arduamente durante a grand voyage ao Brasil, para o início da temporada.
A cada noite da semana, um espetáculo diferente lota os impressionantes 1,6 mil lugares do teatro. Igualmente protagonistas, os animadores são os responsáveis por propor coreografias, brincadeiras e fazer os mais tímidos descruzarem os braços sempre que a música convidar ao movimento. São daqueles caras que você observa e se põe a pensar se é só a sua vida que tem vez ou outra algum dia mais triste.
"A crise não é o vilão"
Nem só de descontração se faz uma press trip, como são chamadas as viagens turísticas para as quais a imprensa é convidada. Em uma conversa com jornalistas que participavam do percurso inaugural do navio Preziosa na temporada 2016/2017, o diretor-geral da MSC Cruzeiros no Brasil, Adrian Ursilli lamentou a dificuldade que o Brasil tem para exercer seu potencial turístico, como se fosse um time de futebol recheado de estrelas, mas que entrasse em campo para fazer gols contra. Precariedade dos portos, taxas portuárias abusivas e falta de estrutura das cidades que poderiam exercer a vocação turística são alguns problemas elencados pelo executivo. Mas apesar de suas mazelas e do crescimento de mercados como Cuba, China e Emirados Árabes, o Brasil continua sendo um dos principais xodós da companhia, que mantém por aqui três de seus 12 navios e terá um a mais para a próxima temporada, representando crescimento de 30% da oferta.
– Nós sempre iremos apostar no Brasil, porque o público consumidor é ávido e interessado. Mas é um país com custos muito altos, agravados pela falta de estrutura tanto de portos quanto dos próprios destinos. Isso dificulta toda a operação. Falta a visão de longo prazo que alguns países já passaram a ter e por isso se tornaram muito mais atraentes para as companhias. Eles incentivam o turismo cobrando taxas mais baixas, pois sabem que a cadeia do turismo é multiplicadora. Onde há turista, há trabalho para motoristas, para quem faz o café na lanchonete, para o guarda que faz o reforço no terminal.Nós vamos levar turistas do mundo inteiro, que vão querer voltar. Porque o navio só passa uma noite no destino. É apenas uma porta de entrada – analisa.
Ao responder sobre o desafio da MSC de operar em um país assolado por uma forte crise econômica, Ursilli volta a bater na tecla de que o problema muito mais grave está na falta de visão e incentivo. E destaca que o cruzeiro é um produto que se sustenta devido ao alto valor agregado:
– A crise não é o vilão. Ela vai e volta, como acontece também no exterior. Com fibra e criatividade, o empresariado a enfrenta. Transformar a marca em valor, e não em preço, é o segredo e o desafio. O cruzeiro é um produto de alto valor agregado pela excelente relação custo-benefício que oferece: uma semana de passeios com hospedagem, refeições e entretenimento, tudo num mesmo pacote pelo preço de uma pousada na praia.