Musicar conteúdo escolar é prática um tanto conhecida em cursinhos pré-vestibular ou aulas-show. Mas quando o ritmo escolhido é o hip hop e o "professor" em questão enxerga nos alunos parte de sua própria história, qualquer lição ganha tons transformadores. Na manhã de quarta, alunos do nono ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Dante Marcucci viveram o ápice dessa experiência, gravando suas próprias vozes em raps escritos por eles mesmos sobre matérias como a Segunda Guerra Mundial e a Era Vargas. A iniciativa faz parte de uma pesquisa de mestrado capitaneada pelo relações-públicas e MC do grupo Poetas Divilas, Jankiel Francisco Claudio, mais conhecido como Chiquinho. A ideia dele é provar que os elementos do hip hop (MC, grafite, dança e DJ) podem contribuir no aprendizado, tornando-o mais divertido.
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– Quando eu conheci o rap foi na rua, é lógico que o rap é da rua e não é minha intenção mudar isso, mas se eu puder levar o aprendizado do rap para a escola é possível abrir as interpretações sobre ele – comenta Chiquinho, mestrando em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Feevale.
A primeira etapa do projeto foi concluída na última quarta, depois de cerca de oito encontros semanais com os 16 alunos da nona série do Dante. A escola foi escolhida por Chiquinho por ser frequentada principalmente por alunos moradores do bairro Beltrão de Queiroz, comunidade onde o músico cresceu. Apesar de não ter estudado na escola – foi aluno do Cristóvão de Mendoza, que fica bem ao lado – a ligação emocional de Chiquinho com cada aluno fica evidente. As palavras de apoio e incentivo com os alunos refletem isso. E as histórias de vida compartilhadas com eles também.
– Por muito tempo o rap foi minha salvação. Quero que eles também possam acreditar que é possível – justifica.
O projeto de Chiquinho foi abraçado pela professora de História da turma, Thamires da Silva. Foi ela quem cedeu as aulas para que os alunos pudessem participar das criações de hip hop, com a certeza de que a experiência seria muito positiva.
– Numa prova, os alunos podem decorar o conteúdo. Aqui, eles tiveram de criar e conviver em grupo, respeitar ideias. Foi muito legal de ver, o Chiquinho lapidou cada um. Percebi também que muitos colocaram nas letras coisas que eu falei em sala de aula e não frases que estavam no livro, vi que eles entenderam – comemora a profe.
A compreensão da matéria escolar, apesar de super importante, acabou ficando quase em segundo plano tendo em vista a importância sociológica do encontro entre os alunos e Chiquinho.
– O Dante é sempre visto como "a escola da Vila do Cemitério", mas depende muito de quem está dentro dela. Penso que se a gente não fizer por eles (alunos), ninguém faz. Eu só levanto todo os dias da cama pelos meus alunos, por eles vale a pena – sentencia Thamires.
O projeto deve seguir no ano que vem, levando aulas de break para a Educação Física e grafitando Geografia nos muros da escola. Na crença de que o rap pode ajudar a despertar os alunos a tomarem as rédeas do próprio destino, Chiquinho finaliza o ano letivo citando uma de suas maiores inspirações:
– Sem medo de ofender a gramática, cito (o rapper e escritor ) Renan Inquérito: "se a história é nossa, deixa que nóis escreve". O importante é não parar de escrever essa história.
Alunos inspirados
Driblando a timidez para cantar e gravar um rap – ainda mais na frente de um profissional da área –, os alunos do nono do Dante Marcucci mostraram talento em letras inspiradas.
– O mais difícil foi colocar na rima. Eu sou muito envergonhado, mas nesses dias que pude cantar me senti tri bem – contou Maurício Ribeiro Bedin, 16 anos, um dos mais empolgado durante as gravações.
Fã de Racionais MC's, Raniele de Almeida Rodrigues, 19, acredita que a escolha pelo hip hop foi um grande acerto do projeto:
– Se eu escuto, já me alivia qualquer problema.
– É uma língua que fala com todo mundo – complementa Leandra Bernardino, 16.
A aceitação da gurizada foi tão grande que a finalização do projeto teve até mesmo rap que não estava no script. O aluno Márcio Gustavo de Moraes Maciel, 16, escreveu uma letra para agradecer a professora Thamires, emocionando a todos. "Nunca é um adeus/só quero que lembre que fui um dos alunos seus/obrigada por acreditar em mim/eu sei que não foi tão fácil assim".