O escritório, a redação e a oficina do "Pioneiro" naquele início de 1958 ficavam no mesmo prédio, bem defronte à praça, numa das quadras que mais preservam os resquícios nostálgicos da antiga cidade. Nela, as duas esquinas continuam iguaizinhas. E, mais ou menos, no meio, o que chegou a ser o suntuoso Cinema Central, ainda conserva os traços soberbos de suas esculturas. A rigor, somente o magro e comprido "Caixa de Fósforo" com a ousadia de seus dezesseis andares bancou o atrevido ao se intrometer no casario baixo e saudosista. Mas, se levarmos em conta que ele foi construído em 1960, concluiremos que sua infância e sua adolescência já superaram a marca de meio-século, conferindo-lhe um status senhoril.
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Pois, era fevereiro e ainda não era carnaval. Perto das dez horas de uma quente e límpida manhã apresentei-me ao diretor Amilcar Rossi com sua envolvente candura. Em seguida, apareceu risonhamente o editor Mário Gardelin, dono de um texto elegante e diferenciado e que enobrecia o então semanário, que só saía do forno restrito aos sábados. Aos dois, para a devida inquisição, juntou-se o loquaz gerente Guilherme Brandalise que, também, se mostrou bastante afável, embora duvidoso de minhas possibilidades. Nada mau para a recepção de um guri metido à besta... Os três se detiveram a me perscrutar de alto a baixo, vasculhando o meu biótipo magricela e a minha face imberbe. Certamente, acharam que eu estava sonhando ou delirando. Além do mais aflorou uma timidez indomável. Eu hesitava no meu auto-controle diante daqueles adultos traquejados. Aí, por fim, chamaram o redator responsável pelo esporte. O bonachão Artur Correia fazia o papel de linotipista-chefe e, nas horas vagas, virava-se para quebrar o galho como cronista esportivo. Também ele me encarou, quase me reduzindo a um piá recém-saído dos cueiros, sem esconder um gracejo sarcástico. Deve ter achado que era muita pretensão escrever sobre futebol. Em todos os casos, pelo sim, pelo não, resolveu apostar em mim, concedendo-me a sonhada chance e delegando-me a primeira missão: realizar a cobertura de um torneio de bochas da Festa da Uva. Ora, bochas! Logo um “troço” fadado a dar em nada. Frustrante. Mas, eu não tinha escolha: era pegar ou largar. Nem bem dois meses após, cumprindo o meu dever e julgo que fazendo razoavelmente o tema de casa, eu já havia sido contemplado com uma coluna fixa – “Ouvindo e Anotando” – que durante três anos deu sarna para coçar. Naquele tempo, com o ardor da mocidade, muitas vezes sem medir as palavras, eu andei arrumando algumas confusões. Não perdi nenhuma amizade por isso. E, paralelamente, comecei a ampliar meus escritos, a ponto de, até hoje, ter redigido só no nosso jornal, cerca de dois mil textos, distribuídos entre crônicas, artigos, entrevistas e reportagens. Tendo-me fragmentado entre aparições e sumiços, o portão foi outra vez reaberto, graças à benquerença da Andreia e da Tríssia, por cujas razões, agora eu voltei para ficar, pois aqui é o meu lugar.
Opinião
Francisco Michielin: eu voltei
Certamente acharam que eu estava sonhando ou delirando
Francisco Michielin
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