Tony Ramos andou pelo tapete vermelho, reviu alguns de seus 128 personagens interpretados em 52 anos e quatro meses de carreira. Os números são dele mesmo. Tony tem orgulho dessa trajetória. E emoção também. Manifestou isso ao receber o Troféu Cidade de Gramado por este feito no cinema, televisão e teatro brasileiros. Os olhos marejaram. Ele até teve que fazer uma pausa no discurso, no palco do Palácio dos Festivais. Conteve o choro e depois disse que o melhor tinha acontecido minutos antes, quando o povo “do sereno” disputou um aceno seu, um sorriso. E ele lhes deu.
– Talvez vocês não tenham ideia do que passei no percurso dotapete até chegar aqui. Revi minha história, trabalhei para ser reconhecido porela. Esta manifestação popular é o que me move. A glória é ter esta satisfaçãodo povo – disse.
É dessa construção profissional, das opções e dos contextos de sua profissão que ele fala nesta entrevista exclusiva.
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Pioneiro: Qual foi sua reação ao ser convidado para receber o Troféu Cidade de Gramado?
Tony Ramos: Fui surpreendido mesmo. Quando fui abordado,perguntei "por que eu? ". A pessoa respondeu "por que sim, porque tu tens uma trajetória no cinema que começa em 1967, já fez mais de 20 filmes, trabalha com televisão...".
Sempre acham que você é só da televisão?
Claro que a televisão me deu muita visibilidade, seria hipocrisia não admitir isso. A televisão tem uma presença marcante em minha vida. Eu adoro fazer televisão. Não faço tevê só para ter fama e depois fazer oque eu quero. Adoro televisão, teatro e cinema. Depende das personagens.Quantas peças fiz em minha vida. Viajei pelo mundo afora fazendo teatro.
Há em sua trajetória uma galeria ampla e distinta de personagens. É disposição para surpreender o público?
Na verdade, nós temos que buscar inquietar-nos Como tenho uma carreira longa, se me inquietar, de alguma forma poderei, talvez, também inquietar o público como foi com minha última novela, com o Zé Maria de A Regrado Jogo, que era um psicopata. Aquilo me interessava fazer. Isso não impede que amanhã ou depois eu faça um herói romântico, uma pessoa de qualidade inabalável. Isso é parte da carreira do ser humano. Isso eu também tentei mostrar ao espectador há 30 anos, quando eu fiz o Grande Sertão Veredas.
O que move suas escolhas?
A carreira da gente tem que ser estruturada não só em cimado que o público espera. Temos que buscar soluções para nossas carreiras oferecendo ao público aquilo que ele também não espera. Isso também está no meu próximo filme, Quase Memória, que fiz com o Ruy Guerra.
Como é este novo trabalho no cinema?
O lançamento é no fim do ano ou no primeiro trimestre de 2017. É um filme belíssimo, baseado na obra do Carlos Heitor Cony. Terminei de filmar no início de 2015. O Ruy Guerra levou o filme para o Festival de Punta del Este e o Festival de Moscou. Não é um filme de humor, é um filme de reflexões sobre memória e o ser humano. Não é um filme de plateia estrondosa.Será um bom filme, mas para uma plateia mais específica. Não quer dizer que seja um filme difícil, ao contrário, é admirável. Fiquei muito encantado. É a volta do Ruy Guerra. Deu um orgulho muito saudável de fazer este filme. Fiz o filme, depois A Regra do Jogo, e o novo seriado para a Globo que estou gravando desde junho em São Paulo.
Dá para falar sobre o seriado Vade-retro?
Estamos trabalhando diuturnamente. Fico em São Paulo até o final de novembro. Sendo Fernanda Young e Alexandre Machado, não tem como não essperar que tenha humor. Só que é um humor absolutamente incorreto, que trabalha na linha da realidade do comportamento humano. Explora as surpresas desse comportamento, o que ele faz de bom e de errado. O seriado trata justamente do que há de errado e de positivo em nós.
É uma história de confusões, humor negro?
Meu personagem quer contratar uma advogada muito jovem, de inabalável reputação. Ele lida com o lado obscuro do dinheiro, então acha que ela vai resolver a vida dele. E aí começa uma série de atitudes que você começa a duvidar que ele tenha bons propósitos com ela. Você começa a achar que ele quer utilizar-se dela para fazer suas pequenas e grandes falcatruas. Esse tipo de atitude vai deixar o espectador numa grande dúvida. A grande pergunta que os autores fazem é “afinal, quem é este homem? ”
Quem mais está no elenco?
Maria Luisa Mendonça, que faz minha mulher. Tem a Mônica Iozzi, que é a advogada, e o Juliano Cazzaré, que faz o namorado dela. A cada episódio há um tema sobre o comportamento e a história se desenvolve em doze episódios. Na verdade, estamos fazendo doze longas, dirigidos pelo Mauro Mendonça Filho. Ele trabalha com essa dualidade que o ser humano tem. “Vade Retro” é uma expressão que a mãe da advogada diz, suspeitando da personalidade do meu personagem. A estreia é para abril ou maio do ano que vem.
De novo o Tony Ramos versátil, com um pé na comédia, outronum filme mais experimental...
Quase Memória não é um filme blockbuster, como Getúlio também não era. Mas Getúlio levou 700 mil pessoas ao cinema. Não esperávamos isso. O dia que passou na televisão, ele teve 35 milhões de pessoas como audiência. Este é um dos filmes mais emblemáticos da minha carreira.
E são filmes diferentes dentro do contexto da produção brasileira na qual você faz um Getúlio e comédias como Se Eu Fosse Você, não?
O caminho do cinema brasileiro será sempre o da experimentação, com espaço para as comédias. O cinema brasileiro busca o seu caminho. A gente fica tentando criar uma imagem iconográfica para o heroico cinema brasileiro. Prefiro um caminho diferente. Prefiro dizer que o cinema brasileiro sempre irá lutar por recursos para desenvolver grandes ideias. E dentro destes recursos e destas grandes ideias, um dos equívocos na década de 1940, 1950, 1960, foi achar que as chanchadas da Atlântida e Herbert Richers eram um desserviço ao cinema brasileiro. Aí criaram junto ao público uma divisão.
No fim das contas, são gêneros diferentes, mas é cinema sendo produzido, não?
Temos que entender que a arte é toda manifestação popular. A arte não pode ser respeitada quando ela só é sofisticada em seu raciocínio. Oc inema sueco é Ingmar Bergman, que é maravilhoso, fantástico e inesquecível,mas ele também faz humor, filmes policiais, séries para a televisão mundial,bem como o cinema dinamarquês, alemão, etc. O cinema deve e irá sempre procurar o que é melhor para seus realizadores. Deve formar plateia. Hoje existem excepcionais filmes argentinos que são também comédias, policiais, de revisão histórica. Aí é que vai nascer o caminho do cinema. Temos que fazer histórias,sejam comédias ou drama, para comover as pessoas.
E há outros caminhos no cinema brasileiro, mais experimentais...
Há inquietantes filmes brasileiros como Amarelo Manga, do Claudio Assis, para os quais não cabe essa pergunta. A pergunta, aí, é: “É um bom filme? ”. Estômago é um filme inesquecível para seu público. Tudo depende do filme, do público, daquilo que ele sai de casa querendo assistir. Qual é o palavrão disso, qual é o problema? Haverá um dia em que o público vai quer ver,pela repercussão ou algo assim, um filme como Estômago. Este é um dos filmes mais lindos e mais complexos que já assisti.
São caminhos distintos?
O cinema brasileiro não tem que buscar caminhos, tem que encontrar apoio para financiar bons roteiros, boas histórias. E quando, enfim,o público, o leitor do jornal Pioneiro, decide o que vai ver e vê, num filme espanhol, todos os apoios oficiais na abertura, você estará vendo leis ei ncentivos. A mesma coisa acontece com o grande e maravilhoso cinema argentino.É só ver os letreiros para ver ali as leis, os apoios e os incentivos oficiais ali. Nos filmes norte-americanos, nos créditos finais, também existem agradecimentos a diversos apoios. São as logísticas específicas para produzir filmes.
Isso pontua a discussão sobre os caminhos da Lei Rouanet no Brasil?
Não pontuo a Lei Rouanet especificamente. Sempre existiram leis. Na época da Embrafilme, que o Collor destruiu – e destruiu com isso o cinema brasileiro, o problema não era ter a lei. O problema é saber como é auditorado o recurso. A lei é bem-vinda, tem que auditorar como isso vai ser usado. Repito e enfatizo: apoios existem em todos os cinemas: italiano,francês. Sempre acho que toda lei que privilegiar uma indústria é bem-vinda. E existe isso para todos os setores.
Como você recebeu esta homenagem do Festival de Gramado?
Sou nada mais do que um ator brasileiro que está há 52 anose quatro meses nisso. Não são 54 meses. Então, quando o interlocutor me disseque eu tinha uma história que incluía O Pequeno Marcos, de 1967, e filme ainda inédito,que é o Quase Memória, que essa era uma trajetória que incluía dramas,policiais e o Bufo e Spallanzani, que me deu o Kikito, e que a cidade resolveume homenagear com o troféu que leva o nome dela, em meio ao mais famosofestival brasileiro de cinema, isso tudo me encheu de alegria, me encheu de umaemoção legítima. Não é uma emoção para inglês ver. É uma emoção de fato, de umprofissional.
Esse prêmio é fruto de sua relação sempre tão gentil com o público, não?
Carlinhos, é o seguinte: quando era muito jovenzinho sonhava um dia ter o nome lembrando pelas pessoas, acarinhado, ter repercussão com meu trabalho, poder chegar à casa das pessoas com absoluta alegria e transparência.Sonhava em ter fama. O artista que nega isso está negando a própria profissão.Evidentemente, nunca deixei de ser um homem preocupado com como conduzir a minha carreira. Continuo cada vez mais querendo desenvolver o meu trabalho. Mas o fato de tratar as pessoas com educação, com a devida atenção, não posso entender isso como uma virtude. É um dever do ser humano. É claro que eu tenho dor de cabeça, dor de barriga, dor de dente. É tudo igual como todo mundo. Maseu procuro sempre entender o lado de lá de cada profissional.
A credibilidade é tanta que influencia que te leva a uma campanha publicitária tão falada, servindo um bom bife ao público...
Eu faço pouca propaganda. Essa com que tu brincastes em relação à carne, que é o comercial da Friboi, já não faço há mais de um ano.Mas isso mostra que também sei ser um homem de propaganda. Sou um profissional.Se é algo que eu gosto, vou fazer. Se é algo que não gosto, não vou fazer. Não faço propaganda de bebida, não faço propaganda de remédio, de uma série de itens. Não sou contra nada na vida. Cada um vive seu momento, faz o que quer.Eu, particularmente, não faço. Não faço comercial de plano de saúde, de uma série de coisas. Pra fazer propaganda de cerveja, se você soubesse quantas vezes fui convidado. Mas não quis. No entanto, fiz de carne porque sou um homem que adora um bom churrasco, que adora uma boa carne, eu fiz. A análise é simples: faço aquilo que acredito.
Em tudo há sempre o carisma conquistado nessa trajetória...
Com isso, eu converso com o público, me apresento a ele.Todos sabem quem eu sou, sabem da minha vida pessoal, da minha vida familiar,como é que me conduzo, como é quero ser na vida. Esse tipo de postura faz com que o público entenda e se sinta definitivamente respeitado e acolhido em suas atenções em minha carreira.