Vilões e mocinhos costumam ser conceitos estanques nas construções dramáticas mais tradicionais. O diretor mexicano nascido no Uruguai Rodrigo Plá está longe de ser o primeiro a mudar essa premissa, mas o que faz em
O monstro de mil cabeças, filme em cartaz no Espaço Itaú, em Porto Alegre, é um exercício dos mais notáveis: em apenas 75 minutos, transforma uma vilã na mocinha por quem o espectador vai se afeiçoar e com quem, sem muito esforço, poderá ser capaz de chorar.
A personagem se chama Sonia e é interpretada pela atriz Jana Raluy.
Sabemos pouco de sua vida além do fato de que seu marido está doente.
Muito doente. Quando ela acorda após uma noite mal dormida, dá início a uma jornada em busca de tratamento para ele.
Pagou um plano de saúde ao longo de 16 anos, mas, rapidamente vamos nos inteirar da situação, teve assistência médica negada. O que mais a leva a reagir com atitudes extremas é melhor não revelar aqui – saiba que tem a ver com descaso, ganância e injustiça. De parte de médicos e empresários que a sociedade naturalmente veria como vítimas. Será que são isso mesmo?
Plá, que tem 48 anos, já fizera no ótimo Zona do crime (2007) um exame minucioso de certas relações sociais estabelecidas entre pobres e ricos, provocando o público a refletir sobre as imagens que cada um tem – e os preconceitos que essas visões carregam, naturalmente. No novo longa, quanto mais a protagonista se embrenha em um sistema (o "monstro de mil cabeças") que supervaloriza o dinheiro e deixa as pessoas em segundo plano, mais escancarado fica o caráter excludente e materialista do ambiente em que ela vive. Ela e todos nós: a falta de contextualizações da trama e a facilidade de identificação do espectador permitem entender que sua desgraça não tem lugar específico – pode ocorrer em qualquer parte do mundo.
No fundo, já vimos esse mergulho na sociedade doente antes, com mais impacto inclusive – no tocante filme bósnio Um episódio na vida de um catador de ferro-velho (2013), de Danis Tanovic. Por ter um personagem mais próximo das plateias que frequentam os cinemas de shopping, O monstro de mil cabeças toca de maneira diferente no espectador.
A bela fotografia de Odei Zabaleta, que faz uso sofisticado da profundidade de campo, enriquece a fruição. Já a opção por intercalar a narrativa dos fatos com áudios do posterior julgamento da protagonista atrapalha um tantinho a criação do suspense. Fica, no fim das contas, a sensação de que O monstro de mil cabeças poderia ser melhor. É bom. Poderia ser melhor ainda.
O MONSTRO DE MIL CABEÇAS
De Rodrigo Plá
Suspense/drama, México, 2015, 75min.
Em cartaz no Espaço Itaú, em Porto Alegre.
Cotação: bom.