Desde os 11 anos, Glória Coelho era louca por moda. A vida em Pedra Azul, no interior de Minas Gerais, parecia limitada. Então ela foi estudar comunicação visual e tomar lições da conceituada Marie Rucki, do Studio Berçot, de Paris. Começava aí a carreira de uma criadora obstinada por limpeza de formas, engenhosidade das peças, refinamento e uma preocupação com beleza.
– Quando você está bem vestido é bem recebido em todos os lugares – disse ela, durante entrevista concedida no hall externo de um hotel, quarta-feira passada pela manhã, enquanto fumava e se protegia do sol.
– Com a idade, a gente tem que cuidar da pele – brincou ela, que está com 64 anos.
A vaidade também falou na noite anterior. Na hora das fotos, depois de avaliar as criações dos estudantes de Design de Moda, durante o Prêmio UCS/Sultextil, preferia que fotografassem a bota de sua grife, que usava, enquanto falava do que a trouxe a Caxias:
– As crianças fizeram coisas lindas, se desafiaram com os materiais – comentou.
Esse apreço pelo belo é recorrente na trajetória de mais de 40 anos na moda brasileira: em 1974 ela lançou a marca G, que acabou derivando para o seu nome. Gloria Coelho então virou uma grife de brasileira com projeção internacional.
Assim, desfilou suas coleções na Madrid Fashion Week, em Isschot, na Bélgica, e na Semana de Moda de Lisboa. Elevando a roupa à categoria de objeto de arte, expôs suas coleções no Museu da Cidade de Lisboa.Enfrentando contingências mercadológicas das quais fala com certo tom de protesto, ela procura vender suas roupas na Europa, Estados Unidos, Canadá, China, Líbano e Kuait. Lá e cá, sua criatividade é respeitada.
Por isso, foi premiada diversas vezes: no Phytoervas Fashion Awards como melhor estilista, ganhou Prêmio Moda Brasil de melhor estilista do ano de 2009/2010, Prêmio da revista Época São Paulo de melhor estilista do ano de 2010/2011 e o Prêmio Shell de Teatro, melhor figurino 2014 pela peça Trágica.3.
A obra e os conceitos de vestir também estão registrados em dois livros: um editado pela Cosac Naify, na Coleção Moda Brasileira, e outro derivado da exposição Glória Coelho – Linha do Tempo, realizada em 2011 no Museu da Casa Brasileira.Moda e tempo, registros e relatos sobre comportamentos e épocas são questões recorrentes para a estilista.
Não à toa seu projeto de design de superfície para a Dell Ano, de Bento Gonçalves, é uma espécie de código de intenções para salvaguardar boas energias ao planeta. O preview será na High Design, em agosto, em São Paulo. O trabalho alude às questões de sustentabilidade do planeta. São gestos que, segundo ela, dão sentido à moda e sua condição de mapear seus pares no tempo.
– A gente reconhece a turma da gente – argumenta na conversa, assim que é questionada sobre que tipo de imagens de moda lhe interessam.E ela segue argumentando, lá no finzinho da entrevista, que está disposta a olhar para o futuro visitando o passado. Assim a menina mineira redesenha sistematicamente a sua trajetória na moda brasileira.
Pioneiro: Que tipo de imagens de moda lhe interessam?
Glória Coelho: A gente reconhece a turma da gente no mundo inteiro quando olha para uma pessoa que passa rua, vê a seleção de coisas que ela fez e diz que também escolheria aquilo. Quando penso em imagens de moda, penso na minha turma no mundo.Quem é sua turma?Minha turma no mundo são as pessoas que gostam do que eu gosto. Eu não gosto de muita coisa, gosto de uma coisa só. Gosto de excelência, individualidade, inteligência, arte, ecologia e tecnologia. Mas, na moda, a gente não tem a inteligência que amo. De uma roupa que, seu estou com calor, ela esfria, se eu estou com frio, ela esquenta completamente. Posso ter modelos que encurtem, posso ter estampas que, com um chip, mostrem o fundo do mar. Que eu possa usar uma roupa que troque de cor o tempo inteiro. Essa é uma tecnologia que eu não tenho. O que a gente tem no Brasil é low tech, baixa tecnologia
E como a moda sobrevive neste contexto?
A gente tem um comportamento no Brasil que é o de fazer tudo o que pode para transformar a matéria prima. Tecnologicamente nós estamos muito atrasados. Para comprar, tem que ser em grandes quantidades. O problema do Brasil é a falta de produção. Tudo se voltou para a China. O Brasil parou. O governo não tem inteligência para administrar isso. Tadinhos, tenho pena deles. Eles não têm competência. O Brasil não melhora, só vende matéria prima, não vende design. Essas coisas são importantes, trariam dinheiro para o país. Mas só continuamos bem na pecuária.
Quais são os desafios desse mercado?
Quando eu começo uma aula, pergunto sempre às pessoas se elas são apaixonadas por moda. Por que, se não forem, nem devem entrar nisso. Tem tanto emprego novo no mundo. O mundo está precisando de cientistas para recuperar a terra. Por que o trabalho de um estilista é muito grande, a logística que exige... Mesmo se você só faz malharia, por exemplo, tem que comprar um fio num lugar, outro no outro. Você não tem um fio de lã maravilhoso no Brasil, um cashemere... Pode ter viscose, algodão. Mesmo uma malharia simples, se quiser ousar, vai ser uma logística louca. Um fio vindo de um lugar, outro de outro. Um tingimento daqui, outro de lá. A pessoa tem que ser apaixonada. Tudo tem data, horário. E se não cumprir, podem desistir da compra. O que aconselho sempre aos alunos e estudantes é que, se eles amam mesmo a moda, que fiquem com ela.
É um desafio a cada coleção, incluindo a tributação?
A moda pode enfrentar esses desafios não tendo imposto sobre imposto, tendo facilidades para você fazer. Por exemplo: eu tentei vender na Europa. Mas você tinha que sair com uma nota com um preço de consignação que na Europa não tinha valor. Na Europa e nos Estados Unidos, a roupa tem um passaporte. Aqui tem que fazer tudo com muita antecedência. E você não tem essa estrutura. Então, eles (o governo) não ajudam as pessoas a ter um desempenho. O custo Brasil é muito caro. Então, a ajuda que a moda precisa do governo é respeito. Como alguém que começou há pouco pode pagar imposto antecipado se ele não tem dinheiro? Você vende e tem que pagar imposto antes? Como faz isso? Sonegando, né! O governo precisa ter uma consciência. Tem que ser messias, não medíocre como está sendo. Isso em todos os níveis, incluindo educação, saúde, estrutura. O governo ajudaria muito se ele simplificasse as coisas para todo mundo. Se uma empresa do Simples vende um real a mais, tem que abortar a operação por causa do imposto. É tudo muito sem respeito. São espíritos muito novinhos que estão nos dirigindo. Eles não têm respeito humano nem vontade de crescimento.
Como as brasileiras se vestem? Temos por aqui as vítimas da moda?
As brasileiras não são vítimas da moda. São vítimas do sexo! Ela não pensam com inteligência – eu adoro nerd –, mas pensam com o sexo. Aqui no Sul não conheço muito. Mas, em São Paulo, que acho pior do que o Rio, elas usam todos os códigos da roupa sexy juntos: o justo, o curto e o decotado. Se vai usar muito curto, que seja todo fechadinho. Se vai usar muito justo, usa comprido! Faz um balanço das coisas. Mas elas não pensam, ou melhor, pensam com o sexo. Elas praticamente se vestem para ser periguetes. E há uma sexualização das crianças também.
Qual o contraponto que você encontra para isso?
Tenho um mercado grande de pessoas que gostam de arte.
Como é o projeto de design de superfície que você desenvolveu para a Dell Ano?O quantum é a menor partícula que tem no universo. Na física quântica, fala-se que a gente tem poderes sobre os subatômicos. Então, você que manda no universo. O que você decide, o universo te dá. O que você pensa, cria teu futuro. Fiz uma placa quântica assim: peguei uma madeira Escandinávia, ampliei bastante, e dentro dos veios, escrevi números binários como frases como “esta placa cura, esta placa dá amor, paz, felicidade, proteção, alegria, dá vontade de viver...”. Escrevi coisas que protegem, para que as pessoas se sintam felizes, para dar boa energia ao mundo. Diminuí os veios, que ficaram muito pequenininhos, de forma que criei uma placa quântica com coisas positivas, de forma que as pessoas recebam esta energia.
O que a moda dá às pessoas?
Ela define grupos. Ela ajuda você a ser mais bem tratado nos lugares se você está bem vestido. Com a moda, as pessoas podem ser tantos personagens, podem ser o que elas quiserem. A moda dá também felicidade de olhar para alguém e ver o belo, a beleza. A moda dá uma fotografia dos anos dela. Você reconhece 1500, 1700 pela moda. Você vê um filme na moda, o desenho da época. Nos anos 1970, você vê o hippie, o hippie chic. Nos 1980, vê o yuppie, uma maneira nova de pensar. Aliás, acho que a maneira dos japoneses pensarem está voltando a influenciar o mundo. E nós já estamos escrevendo agora o 2025.
O que a moda lhe deu nessa trajetória?
Muito amor, felicidade, alegrias, energia. Se estou cansada e vou trabalhar, me renovo, ganho energia. Olha, fazer moda há 43 anos é muita beleza que ganhei nesse caminho. Ou melhor, faço moda há mais tempo. Desde os 11 anos era louca por moda.Olhando para sua trajetória, que moda Glória Coelho quis fazer para o Brasil e o mundo?Sempre olhei para o passando pensando no futuro. Todos meus temas, Pokemon, 3D, Luís XV, Luís XV, Escócia. Sempre pensei nisso para criar o novo. Olhar para este monte de imagens inspira. Você soma e cria sínteses. Um livro, um filme, um mendigo na rua, tudo inspira. Isso tudo é estímulo para criar.
E isso lhe faz feliz?
Eu sou feliz!
Entrevista
Glória Coelho fala dos desafios, perigos e encantos da moda
Estilista esteve em Caxias no UCS/Sultextil e tem parceria com a Dell Ano
Carlinhos Santos
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