2016 está só na metade e já acumula graves manchas nos direitos conquistados pelas mulheres, desde a propagação do "bela, recatada e do lar" como um modelo a ser seguido, até a tragédia da menina estuprada por um bando no Rio de Janeiro. Enquanto garotas e garotos cada vez mais jovens se reconhecem feministas, criam coletivos e organizam ações – vale lembrar que o ano também foi marcado pela movimentação pró-shortinho no Colégio Anchieta (Porto Alegre) –, ainda vivemos um momento de fragilidade de conceitos.
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Ironicamente, o mesmo 2016 marca aniversários como os 10 anos da Lei Maria da Penha ou os 30 anos da morte da escritora Simone de Beauvoir. Refletir sobre o que francesa escreveu há mais de 50 anos talvez possa ajudar a compreender este momento. E escutar o que as novas gerações têm a dizer também.
A dificuldade em compreender o que o feminismo significa parece um sintoma que denuncia o quanto certas convenções estão enraizadas no nosso dia a dia. Pregar igualdade não tem exatamente a ver com igualar homens e mulheres enquanto indivíduos, mas sim enquanto sujeitos sociais. Por mais didático que isso possa parecer, feministas ainda precisam esclarecer que não odeiam homens, apenas lutam para reverter um prejuízo histórico. Afinal, são séculos vivendo às sombras de grandes figuras masculinas em espaços públicos como a política e a literatura – só para citar dois exemplos.
– O feminismo é uma desconstrução da estrutura patriarcal, do machismo estrutural, aquele que muita gente demora muito para perceber, mas que está ali, colocando as mulheres em situações de violência no dia a dia, tanto violências físicas, quanto violências simbólicas. Ser feminista é não concordar com essa ordem das coisas e agir para mudá-la – esclarece a filósofa Marcia Tiburi, que reflete o tema em muitas de suas obras, entre elas Filosofia: machismos e feminismos (2014) e Como Conversar com um Fascista (2015).
O recente caso da adolescente estuprada por um grupo de homens no Rio de Janeiro deflagrou uma série de reflexões a respeito dos direitos da mulher, trazendo conceitos do feminismo para a roda mais uma vez. Para a jornalista baiana Maíra Azevedo, conhecida nas redes como Tia Má (leia mais abaixo), a urgência do movimento se justifica ainda mais em momentos como este:
– Você percebe que as pessoas procuram mais argumentos para responsabilizar a vítima do que para culpabilizar os agressores. O feminismo é necessário para burlar este sistema, lutar por nossas vidas. Tem gente que diz que o feminismo é o antídoto do machismo, acho que não, para mim é a luta pelo direito à vida das mulheres. Respeitar a vida da outra pessoa, homem ou mulher, é uma condição fundamental, como isso não acontece é importante entender que a luta do feminismo é a luta pelo direito da vida da outra pessoa.
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A naturalização de comportamentos machistas está, geralmente, em ambientes muito próximos. E compreende até mesmo a construção das palavras, como mostrou recentemente a escritora Noemi Jaffe, em sua conta de Twitter. Usando conhecimentos em etimologia, ela encontrou raízes da discriminação feminina analisando a palavra whore (prostituta em inglês) – "vem do gótico horus, adúltera, que vem do germânico, a que deseja. Toda a história do feminismo numa palavra" – e meretriz – "vem de meretrix, mulher que ganha dinheiro. Ou seja, se a mulher ganha dinheiro, é puta".
Marcia Tiburi vai além, e reconhece braços do machismo e de outras lógicas discriminatórias num princípio antigo da filosofia.
– Ele orienta o pensamento em geral, nosso modo de ver o mundo, a moral, a sensibilidade, a ação. É o princípio pelo qual eu detenho a verdade e o outro não. Por esse princípio, não é preciso abrir espaço para o outro. Na filosofia, o chamamos de princípio de identidade. Ele aniquila o outro, ou constrói o outro para aniquilá-lo. Para combater isso, só com muito questionamento, muito pensamento reflexivo, muito diálogo, muita conversa. Mas o espaço para isso está pequeno em nossas vidas, no cotidiano – reflete.
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