“Tenho 34 anos e desde os 5 eu odeio meu corpo”. A frase de impacto, proferida pela jornalista farroupilhense Daiana Garbin, na estreia de um canal próprio no YouTube, já foi assistida mais de 190 mil vezes e, melhor do que o sucesso da iniciativa, ela considera a possibilidade de poder falar sobre o sofrimento ao se olhar no espelho.
Daiana formou-se na Universidade de Caxias do Sul e passou pela UCS TV e RBS TV Caxias antes de ser contratada pela Globo, em 2008, e se mudar para São Paulo. Ficou na emissora até o início do ano, quando resolveu pedir demissão para atender ao que chama de “pedido do coração”: o canal EuVejo.
Um mês depois do lançamento, ela concedeu essa entrevista por telefone, feliz da vida com a dimensão que o assunto ganhou e a perspectiva de ajudar as pessoas a serem mais felizes com o corpo que têm. Confira.
Pioneiro: Como foi a decisão de deixar a tevê e expor uma história pessoal, na internet?
Daiana Garbin: Comecei a pensar sobre fazer algo nessa área há dois anos, já queria abordar essa área de transtorno de imagem, porque sofro com isso há muito tempo e a gente fala muito pouco sobre isso, as pessoas sofrem muito, mas não se vê ninguém falando sobre isso. Não tinha coragem de sair da Globo, gostava muito de trabalhar e é o sonho de boa parte dos jornalistas. Mas eu costumo dizer que foi um chamado do coração, senti que precisava fazer alguma coisa sobre isso. No ano passado eu fiz um curso de filmmaking, na New York Film Academy, quando pedi uma licença da Globo para estudar. Nesse curso, aprendi a gravar, a editar e, foi também no ano passado, que tive o diagnóstico da psicóloga, de que eu tinha transtorno dismórfico corporal, porque até então achava que era vaidade em excesso. Era uma tortura interna e eu vi que precisava falar sobre isso. Pensei ‘vou pedir demissão e criar um canal no YouTube’.
E por que o You Tube, se sempre trabalhaste na tevê aberta?
Porque quero falar com meninas que estão na adolescência hoje, porque não quero que elas passem pelo que passei. Teria sofrido muito menos se soubesse. E como vou conversar com essas meninas? Na internet, elas estão todas lá.
Por que decidiste contar tua história, expor a vida pessoal para todo mundo?Fiquei com medo e pensei: será que vou conseguir? Será que vou aguentar? Porque só quem sabia disso era minha família e alguns amigos bem próximos. Me preocupei a vida inteira com a opinião dos outros. Tinha vergonha do que os outros pensavam de mim. mas isso é errado. precisamos parar de ter vergonha. Aí percebi que as pessoas só iriam abrir o coração para mim se eu pudesse contar pelo que passo e foi o que eu fiz no primeiro vídeo. As pessoas vendem uma falsa felicidade nas redes sociais, especialmente, e não fala sobre nossos sofrimentos. Só que a gente precisa falar. A gente precisa aprender a lidar com as sombras para encontrar nossa verdadeira luz.
E com base nesse primeiro depoimento, como foi a repercussão? Como está indo o canal?
Maior do que eu esperava, nunca imaginei que teria 193 mil visualizações. Ficaria feliz se o primeiro vídeo tivesse 1 mil visualizações, pensei que ele poderia interessar a quem tem problemas como anorexia e bulimia, cerca de 2% da população mundial. Isso só me mostrou o quanto precisava falar sobre isso. Essa cobrança com o corpo tem a ver com o padrão estético que é imposto às mulheres? Sim, as mulheres sofrem uma cobrança, mas eu pensei que isso fosse só uma coisa feminina. Recebi tantos emails de homens com vergonha do corpo, que não gostam de sair, não vão a barzinhos porque não conseguem se olhar, se aceitar. Não é um problema exclusivamente feminino, eles também sofrem.
A partir dos relatos, quais são tuas perspectivas com esse trabalho?
Meu sonho é que as pessoas possam ser felizes com o corpo que elas têm, possam se olhar e dizer que são bonitas. Luto pela aceitação, que é o mais importante. A gente não tem que se comparar a ninguém, não precisa ter o corpo do outro para ser feliz, nem ser magra para ser feliz. A preocupação deve ser a saúde e não a estética. A gente deve aprender a olhar para dentro e ver o que a gente realmente é. Estou numa busca, num tratamento há quatro anos e em terapia há um ano, nessa luta profunda por aceitação, por ser feliz com o que eu tenho.
Como é inverter os papéis, já que uma jornalista costuma contar histórias dos outros e muito raramente as suas?
Tenho cuidado porque sou uma jornalista que tenho um problema, mas não tenho o conhecimento técnico. Por isso nos vídeos, eu entrevisto profissionais, psiquiatras e psicólogos e faço entrevistas com pessoas que aprenderam a amar o corpo como são, que são cases de sucesso. Não vou fugir do jornalismo, vou contar a minha história e as histórias das pessoas.
O canal não era tua primeira opção ao pensar em falar sobre isso, certo?
Meu objetivo inicial era escrever um livro, ele surgiu até antes do canal, porque sentia vergonha de ter vergonha do meu corpo e, então, decidi começar a escrever sobre isso. Na sexta-feira (dia 13), fechei o contrato com a editora, então vou mesmo lançar o livro. Queria que mais pessoas soubessem que não há perfeição, mas aceitação. Recebi quase três mil mensagens, vi que quase todas as pessoas têm problemas com o corpo e a gente precisa falar, procurar ajuda. Achava que eu era ingrata, porque tinha saúde e mesmo assim me sentia mal. Deixei de ir a festas por causa disso, de acompanhar meu marido porque tinha vergonha do meu corpo, algumas vezes não fui trabalhar por causa disso...Outra coisa muito importante para falar é que sou contra os remédios para emagrecer. Com 23 anos, tive depressão e o médico disse que ela pode ter sido causada pelo uso dos remédios. Há uma banalização do uso de remédios para emagrecer, e isso é muito perigoso.
Como as meninas, teu público idealizado, podem ser ajudadas?
Peço que as mães prestem atenção nas meninas, às vezes o problema está só começando, ela não sabe o que fazer, a família também não sabe o que fazer, e as pessoas deixam de conversar por falta de informação. O primeiro passo, na minha opinião, é procurar um psicólogo, porque essa é uma doença que precisa de acompanhamento, precisa de muito apoio da família.
E como foi contigo?
A minha mãe é muito amorosa, sempre tentou me ajudar e ficou preocupada comigo, com o que essa exposição poderia provocar (com o lançamento do canal). Mas ela viu que eu estou feliz e está gostando, está feliz também. O Tiago (Leifert, marido de Daiana) soube que eu tinha dismorfia corporal antes de mim, quando nós começamos a namorar. Percebeu que não era excesso de vaidade, era sofrimento. Ele sempre me apoiou, entendeu super, é um anjo na minha vida.
Por que as pessoas estão com a autoestima tão baixa?
Acho que por causa da comparação. Sempre me comparei com as amigas do colégio, depois com as da adolescência, com as modelos e com as mulheres magras. E penso que a gente não pode se comparar com ninguém. Somos únicos e especiais. E somos muito mais do um corpo.
Entrevista
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Tríssia Ordovás Sartori
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