O muro de tijolos sujos com algumas pichações sugeria o clima hostil das proximidades do bar CBGB's, o berço mundial do punk rock. O ano era 1976 e aquele muro era exatamente igual a inúmeros outros do East 2nd Street, em Nova York. Incomuns, no entanto, eram os quatro rapazes que ali posaram para as lentes da fotógrafa Roberta Bayley, estampando a capa do disco que mudaria a história do rock. Aqueles eram os caras mais esquisitos da área – incluindo um magrelo de 1m95cm com transtorno obsessivo compulsivo e voz anasalada.
Mas se separados Jeffrey Hyman, Douglas Colvin, John Cummings e Thomas Erdelyi eram apenas garotos desajustados, juntos eles ganharam uma força descomunal e criaram a síntese perfeita do punk clássico (ou um resumo do como ser cool usando cabelos tigela, jeans surrados e jaquetas de couro). Ao estilo do conterrâneo Peter Parker/ Homem-Aranha, o quarteto assumiu sua porção de herói adotando os nomes Joey Ramone ( vocal), Dee Dee Ramone ( baixo), Johnny Ramone ( guitarra) e Tommy Ramone ( bateria). Emoldurados por aquele muro sujo, foram apresentados ao mundo há exatos 40 anos com uma nobre missão: abalar o mundo pop.
Se o impacto visual da capa era inevitável, o legado sonoro contido na bolacha guardada atrás da icônica foto abalou as estruturas da música de imediato. A fórmula era a seguinte: poucas notas, guitarra suja, letras sobre banalidades do dia a dia (um bastão de beisebol para bater em alguém, uma esquina para se prostituir, essas coisas...), e muita, mas muita, energia juvenil.
– Cantavam sobre coisas legais e tiravam toda a gordura das músicas, sem solos, sem demora. Era ótimo saber que existia alguém fazendo aquilo – disse o baterista Marky Ramone, em entrevista publicada na última segunda-feira, no jornal Zero Hora.
"Eu adorei logo de cara", diz Kid Vinil sobre o Ramones
Marky ainda não integrava o Ramones naquela época, somente em 1978 substituiria aquele rapaz com a barriga de fora na foto do disco. O baterista toca em Porto Alegre neste domingo justamente celebrando a obra da banda seminal do punk que influenciou desde as igualmente icônicas Sex Pistols e The Clash até as brasileiras Raimundos e Tequila Baby, que ajudaram a traduzir o gênero por aqui, além de atualizá-lo a outras gerações.
– Faça você mesmo! Simples, direto e com muita energia. O Ramones nos mostrou que era possível fazer música, que não precisávamos de todo aquele aparato da indústria para ser alguém relevante. Aquele primeiro disco é como se fosse a descoberta do fogo e da roda ao mesmo tempo, está tudo ali, é o Santo Graal do punk rock – diz Digão, vocalista e guitarrista dos Raimundos.
James Andrew, guitarrista e um dos fundadores da banda porto-alegrense Tequila Baby, conheceu Ramones ainda criança. O sonoro nome do grupo ajudou a chamar atenção do garoto que remexia nos discos de um vizinho.
– Eu estava me alfabetizando, era difícil ler AC/DC, Iron Maiden... mas Ramones eu conseguia ler. E eles se vestiam igual, tinham o cabelo igual, achei que eram irmãos – diz Andrew.
Legado sonoro
O disco que está comemorando 40 anos em 2016 foi lançado num cenário de rock amplamente dominado por virtuosismos e canções de mais de sete minutos de duração. O Ramones compilou 14 faixas em menos de meia hora. Desta forma, menos de cinco minutos eram necessários para escutar petardos do naipe de Judy is a Punk, Listen to My Heart e Now I Wanna Sniff Some Glue.
– Faltava uma música rebelde de verdade na época. O Ramones conseguiu sintetizar isso, a própria simplicidade da música deles é uma rebeldia. Eles já tinham feito mais de 200 shows quando foram para o estúdio gravar. Aquilo que foi para o primeiro disco já era um produto totalmente desenvolvido do que estavam fazendo ao vivo. Teve um trabalho de lapidação rumo à simplicidade e à brutalidade do som, do recado direto. Na verdade, é um rock básico da década de 1950 e 1960, tocado diferente, de um jeito mais minimalista. Isso influenciou muita coisa, todas as bandas simpatizam com os Ramones – diz Chuck Hipolitho, músico (atual Vespas Mandarinas e ex-Forgotten Boys), dono do estúdio Costella, ex-VJ da MTV e grande fã de Ramones.
Gravado durante dois dias no Radio City Music Hall, o álbum custou 6,5 mil dólares e foi mixado com a guitarra em um canal e a guitarra em outro (o que impede que você ouça ele só com um dos fones de ouvido, por exemplo). A canção de abertura do álbum era Blitzkrieg Bop, ou seja, os primeiros versos do Lado A já traziam um grito de guerra que se tornou tão imortal quanto os próprios Ramones: Hey Ho Let's Go!
– A simplicidade e a força sonora do disco impressionam os mais desavisados. Judy Is A Punk, Chain Saw, Now I Wanna Sniff Some Glue e Listen To My Heart são, na minha opinião, as que mais revelam o que viria pela frente na história da banda – opina o fotógrafo caxiense Gabriel Lain, 33 anos, fã e dono do disco que estampa nossa matéria.
Os quatro fundadores da banda já morreram – a perda do vocalista Joey completa 15 anos neste mesmo 2016 de celebrações ramônicas –, mas o legado de cada um deles se revitaliza sempre que alguém dá play num álbum, seja pela enésima ou pela primeira vez.
– Hoje em dia apareceram coisas novas que dizem mais para a molecada do que os Ramones. Mas eles ainda estão em tudo, o Ramones está nas pessoas até mesmo sem elas saberem. Eu sei quando o carinha está tocando a coisa de um jeito, achando que está fazendo igual a tal pessoa, mas eu sei que ele está fazendo igual Ramones, porque tal pessoa faz igual a Ramones (risos) – exemplifica Chuck.
– Acho que o Ramones provou para o mundo que os esquisitos são legais, os nerds e os bizarros também. Eles democratizaram o rock, tu não precisava ser bonito como o Elvis, ou ter o talento genial do John Lennon, nem tocar como o John Bonham. Tu não precisava ser o Jimi Hendrix, podia simplesmente ser o Johnny Ramone e ditar o caminho do rock – resume James Andrew.
Ouça o primeiro disco dos Ramones
PROGRAME-SE
:: O que: festa Let's Go Punk Rock Fest, com shows de Marky Ramone's Blitzkrieg, Tequila Baby, Zumbis do Espaço, Flanders 72 e Motor City Madness
:: Quando: neste domingo, a partir das 16h
:: Onde: Bar Opinião
:: Quanto: R$ 180 (inteira - 2º lote), R$ 95 (2º lote promocional) e R$ 90 (estudantes e idosos - 2º lote), à venda pelo www.minhaentrada.com.br/opiniao (há taxas)