Boi Neon une logo no título palavras completamente distintas, de universos longínquos. É com se o diretor e roteirista Gabriel Mascaro avisasse ao espectador que a ousadia de integrar ambientes antagônicos estará presente durante toda a obra - estreia desta quinta na Sala de Cinema Ulysses Geremia.
Desafiando convenções de gênero, classe ou qualquer outra (ainda bem!), Boi Neon apresenta um vaqueiro aspirante a costureiro (Juliano Cazarré); uma caminhoneira que unifica doçura materna, agressividade e sensualidade (Maeve Jinkings); e ainda uma grávida (Samya De Lavor) que trabalha com uma arma na cintura - e o tabu se quebra ainda mais quando visualizamos sua imaculada silhueta numa cena de sexo e nudez.
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A história é ambientada nos bastidores da vaquejadas, eventos muito populares no nordeste brasileiro. Iremar (Cazarré) é um filho desse ambiente, mas as mesmas mãos que juntam dejetos ou escovam o rabo dos bois também lidam com as minuciosas e artesanais artes da costura e do desenho. O personagem é a síntese do indivíduo contemporâneo que tenta construir sua própria liberdade para além de qualquer fronteira social.
Mais do que lançar um olhar contemporâneo sobre o sertão nordestino e seu povo, Boi Neon é sobre sonhar com uma vida fora dos bretes que nos cercam (por isso talvez a figura do boi tão presente).
Confira abaixo uma entrevista exclusiva do ator Juliano Cazarré ao Pioneiro.
Pioneiro: Que retrato do sertão nordestino contemporâneo o filme Boi Neon propõe?
Juliano Cazarré: Um nordeste moderno, onde a tradição se comunica com o contemporâneo. Um lugar onde a vida é dura, mas cheia de bom humor. Mostra mulheres e homens nordestinos construindo sua identidade livremente, questionando padrões de comportamento tradicionais. Como também acontece no Sul, não por acaso.
O que esse personagem, o Iremar, ensinou para o Juliano?
A experiência mais rica desse filme foi o convívio com as pessoas. Maeve Jenkings, com quem podia conversar sobre nosso ofício com profundidade, e também trocar dicas de alimentação de esportes, etc. E Carlos e Josinaldo, os dois vaqueiros meus companheiros no filme, cada qual com sua sabedoria. Carlos com sua manha, Josinaldo com sua fidalguia.
Você lida muito naturalmente com a nudez artística, mas cenas com nu (principalmente masculino) sempre causam muito barulho, como as de Boi Neon causaram. É possível naturalizar esse olhar "assustado" do espectador frente ao nu? Como?
É só ficar tranquilo e conviver com aquela imagem com a naturalidade de um banheiro de academia, ou uma imagem num livro de ciências. A gente não precisa se ofender com a nudez. Claro que há, e muito, nudez de mau gosto. Mas não é o caso de Boi Neon. Nada é feito para chocar ou ofender. É com simplicidade e beleza.
Você vem conquistando espaço cada vez mais amplo nas novelas, ao mesmo tempo que não abandona a carreira no cinema, seu "palco" de origem. Que tipo de necessidades artísticas cada um desses ambientes alimenta em você?
E agora acabo de estrear no teatro em São Paulo na peça Um Bonde Chamado Desejo. A TV, o cinema e o teatro são diferentes entre si e cada um tem sua delícia. Na TV, a dificuldade é a velocidade, mas a recompensa é o imenso alcance de público. No cinema, tudo é menor, mais natural ainda que a TV, e demora muito, tem que viajar pra longe da família, grava tudo picotado. Mas a recompensa é que um belo filme pode durar décadas. Séculos, talvez? Não sei se o mundo dura tanto
E o teatro onde o ator faz chover, é ele quem manda, com seu corpo, sua voz e sua presença.
Como lida com a popularidade que um MC Merlô (da novela A Regra do Jogo) te traz?
Fico muito feliz de ver que tem gente que se divertia muito com o personagem. É gratificante trazer o sorriso para as pessoas no momento em que o país naufraga numa crise moral, ética, política e econômica. O Brasil está assim, rir pra não chorar...
Destaque: Sensação no Festival do Rio, Boi Neon foi premiado ainda no Festival de Toronto e de Veneza