Liniker botou vestido amarelo longo, coturnos, uns brincões pontiagudos, batom vermelho na boca e, de bigodinho de malandro, deu alô pra gauchada quinta-feira à noite, no primeiro show feito no Estado, no Opinião, em Porto Alegre. Aí "a gente fica mordido, não fica", como ele canta em Zero, uma das três músicas responsáveis pelo seu boom antes mesmo do primeiro disco, que chega no segundo semestre.
Mordidas, sevícias, sensualidade, sedução cabem na figura cujo discurso estético e artístico desorganiza as convenções. Liniker é mulata assanhada que passa com graça. Nascido em Araraquara, 20 anos, Liniker é soulman do caralho (sic) que evoca de Tony Tornado a Tim Maia. Mas vai além e reafirma a música preta brasileira, periférica, requebrando para caretice instituída, rebolando até o chão.
Hibridismo saudável que não faz um gênero. Inclui muitos. Ora samba, ora soul, gafieira ou guitarrada, cita Cartola (deixe-me ir, preciso andar) e Ivan Lins (deixa, deixa, o que penso dessa vida, preciso de mais desabafar) para olhar de lado, sacudir o chanel de bico de trancinhas, e, como afirma na entrevista que segue, dançar e se deixar afro-dionisíaco na nova MPB.
Pioneiro: Qual a força do black-soul-contemporânea que você tem feito?
Liniker: Acho que minha música tem pegada muito soul, tem black music, mas eu acho que não é só isso. É uma música preta brasileira contemporânea, com muita mistura. Em Louise du Brésil, por exemplo, a gente faz uma guitarrada, já em outras, tem um pouco de blues, que entra de repente. Então, eu acho que é uma mistura de muita coisa, não dá nem pra definir. Acho que o que chega mais perto é "música preta brasileira".
Onde está a redenção da música brasileira hoje?
Vejo que os artistas têm se encorajado pra colocar o que eles realmente pensam nas músicas, o que sentem e o que querem falar. Acho muito importante isso. Aí está a força.
Que cenário vê?
Tem muita gente "re-significando" as coisas, trazendo muita influência. Acho que a maioria dos álbuns que eu ouço, eu vejo muita referência dos anos 1970, só que as pessoas trazem para a contemporaneidade, "re-significam" e colocam o que elas sentem, as coisas que acontecem no cotidiano dessa nova sociedade. Eu me identifico com isso.
Seu visual e suas declarações afirmam uma postura de gênero ou um descompromisso com tal questão. Isso é necessário no mundo contemporâneo? Nesse contexto, quais são suas bandeiras? Aliás, é preciso ter bandeiras?
Acho que a partir do momento que você rotula uma coisa, você inferioriza aquilo de algum jeito e aquilo só vai ser aquilo. Então, se aquilo quer ser outra coisa, não vai poder ser, porque já tá rotulado. Eu quis tirar todo esse rótulo, tudo aquilo que me colocasse dentro de um padrão. Acho que quanto mais fora do padrão eu estiver, mais feliz eu vou estar.
Ou quão é socialmente saudável, político e poético, afirmar, como você afirmou em outras entrevistas: "sou bicha, sou preta"?
A questão do gênero é essa: eu não sei se eu sou homem ou se eu sou mulher. Eu, na verdade, não sei me definir, porque eu tenho o corpo masculino, mas acho que não precisa ficar se colocando numa caixinha, sabe?
Qual a potência de uma visibilidade como a sua no para a afirmação de direitos e discursos de setores que quase sempre estiveram à margem?
É isso: eu sou uma pessoa que uso saia, que não me identifico com gênero, que tirei o artigo da minha vida e que tô aí, tô sendo quem eu sou e tô usando meu direito de libertação. A mensagem de libertação é que fica e é passada.
Vindo do teatro, como você encara o palco hoje? Que lugar é esse pra você?
Pois é, sempre tive uma relação forte com o palco. Comecei, na verdade, como ator. E aí eu fui estudar. Mas no meio da faculdade, eu vi que eu queria mesmo era ser músico. E aí tá sendo, tá acontecendo. Então sempre teve o palco nessa relação.
Além do EP que você gravou e vem divulgando, quando vem disco?
Um disco de Liniker e os Caramelows vem no segundo semestre. O nome será Remonta.