Quanto vale a realização de um sonho? O do engenheiro santa-cruzense Francisco Rocha, 28 anos, e da técnica em comércio exterior caxiense Carla Dall'Agnol Góis, 25, custa, ao menos, R$ 295 mil. Mas o desejo deles transcende às cifras e nem pode ser medido em reais. O montante irá financiar a viagem do casal pelos cinco continentes, prevista para durar até 2018. A partida será em março, e o deserto do Atacama, no norte do Chile, a primeira parada.
Francisco e Carla farão boa parte do percurso em uma Land Rover Defender 110, que está sendo adaptada com cama, pia, geladeira, fogão e armários, para se tornar uma casa móvel. Eles já realizaram algumas viagens longas de carro - percorreram 11 mil quilômetros até o Ushuaia, no extremo sul da Argentina, e 9 mil quilômetros pelo litoral brasileiro - e moram juntos há dois anos e meio, desde que se mudaram para Canoas por causa do trabalho na mesma empresa. Garantem que a convivência em um espaço diminuto não será problema.
- Sou taurina, teimosa e geniosa, mas o Francisco é calmo e me transmite uma segurança muito grande. Além disso, dentro do carro não vai ter espaço para a bagunça e só vamos levar peças contadas. Já sabemos que não podemos comprar quase nada para trazer, nossa recordação serão as fotos e os que os olhos virem - relata Carla.
Quando tiverem que atravessar os continentes, o veículo será despachado via contêiner, e os viajantes completarão o percurso de avião, ficando a pé em alguma cidade até o carro chegar. Eles nem sabem direito como irá funcionar o trâmite burocrático, mas pretendem compartilhar essa e outras experiências por meio do projeto Vou Te Levar, diário de bordo com publicação no site homônimo e no Facebook, Instagram e Twitter.
- Nunca fui muito de redes sociais, agora estou aprendendo a mexer no site, pesquisar... - conta Francisco, que pretende fazer atualizações semanais quando estiver na estrada.
Foco e desapego
Os aprendizados têm sido constantes desde que decidiram colocar em prática a ideia surgida durante a volta de uma viagem terrestre pelo litoral brasileiro. Conversando no carro, os dois se deram conta que havia muito mais destinos para conhecer do que dias possíveis de férias para aproveitá-los. Depois de assistirem a um programa sobre viagens, Carla sugeriu a Francisco que os dois largassem tudo a fim de desbravar o mundo. Ele topou, e o planejamento começou há um ano.
- Vendemos tudo: apartamento, carro, bicicleta, prancha de surfe... Pesquisamos muito sobre o que as pessoas estão fazendo e traçamos gastar, em casal, 100 dólares (R$ 404) por dia. Se o dinheiro não der, vamos trabalhar durante a viagem - conta ele, que está em processo de desligamento do emprego.
- Parei de pintar os cabelos e estou me acostumando a não secar ou fazer chapinha neles, minhas colegas de trabalho me ensinaram a cortá-lo. Vou me virar com a depilação, sobrancelha, manicure... Vendi meus sapatos, doei muitas roupas - relata Carla, enumerando algumas das rotinas que foram alteradas para economizar.
A economia só não foi levada em conta na opção por comprar uma camionete. Embora mais caro, o investimento foi considerado por causa do conforto e autonomia que o veículo garantirá, possibilitando que sejam explorados destinos mais remotos. Em relação ao roteiro, estão escolhidos apenas pontos macro: do Chile a Cartagena, na Colômbia, onde irão de barco até o Panamá, cruzarão a América Central rumo aos Estados Unidos e, de Miami, irão a Europa, África, Índia, terminando o roteiro pela Austrália e Nova Zelândia.
O casal têm, também, uma extensa lista das experiências que deseja realizar, como um safári na África e conhecer a cultura da Oceania.
- Estamos muito abertos a descobrir coisas, arriscar. Nas outras viagens que fizemos juntos (para o Ushuaia e litoral brasileiro) sempre encontramos muita solidariedade, tudo deu muito certo - diz ela.
Carla saiu do trabalho em novembro, para terminar de organizar a viagem. Conta estar ansiosa pela partida, que ainda não tem data marcada.
- A gente nunca pensou que não seria possível - completa Carla. - Há quem diga que a gente é louco, mas um pouco de loucura é preciso ter para fazer isso - brinca.
Carla e Francisco estão financiando a viagem com recursos próprios, mas doações e patrocínios são bem-vindos. Quem quiser colaborar de alguma forma, pode contatá-los pelo Facebook.
Momentos em família foram os maiores ganhos na Tailândia
A arquiteta caxiense Camile Sambaquy Franzoi, 37, mudou-se para a Ásia com o marido, o médico Alexandre De Lavra Pinto, 41, e o filho Lucas, oito, em 2012. A primeira parada, por um mês, foi num flat em Bangcoc, para se acostumar ao novo ritmo de vida e a planejar os dias subsequentes - foram 10 meses no Exterior, sendo sete na Tailândia e três entre Laos, Camboja, Singapura e Malásia.
Viajar sempre foi uma prioridade para o casal, que já esteve em cerca de 35 países. Para colocar essa ideia em prática, os dois economizaram, desfizeram-se de bens que não iriam precisar a curto prazo, cancelaram algumas contas e, como são profissionais liberais, readequaram as agendas de trabalho.
- A melhor parte da viagem foi poder vivenciar todos os momentos com a família, podermos tomar café da manhã juntos em todos os dias do ano - conta.
Como Camile e Alexandre sempre tiveram planos de voltar ao Brasil, a marcação da viagem de volta ocorreu de forma natural, assim como o retorno ao cotidiano em Caxias do Sul. Entre as melhores lições aprendidas na Tailândia estão o compartilhamento pleno da vida em família, a cultura mais voltada à espiritualidade e menos ao consumo, a valorização dos pequenos bons momentos da vida e a sensação de conseguir aventurar-se e se desapegar.
- Quero que meu filho perceba que o mundo é enorme, diversificado e que tudo bem ser diferente - destaca.
Dez meses, 10 países e três continentes
Foi a 12,6 mil quilômetros de Caxias do Sul, que os caxienses Israel Costa Bettiol, 25, e Luciana Tomazzoni, 25, se encontraram. Ambos faziam intercâmbio na Austrália e se cruzaram em Sidney no último mês antes do retorno dele ao Brasil. Com o reencontro em Caxias, surgiu a vontade de colocar o pé na estrada de novo.
Ele, estudante de engenharia mecânica, queria ir à Itália fazer a cidadania italiana. Ela, professora de ioga, pretendia ir à Índia cursar uma especialização.
Três anos depois, eles partiram juntos, cada um com um objetivo individual e uma vontade compartilhada de experimentar novas culturas. Antes de desembarcarem na Europa, fizeram um mochilão de um mês pelo Peru e pela Bolívia. A parada seguinte foi em Madri, na Espanha, no início de uma nova aventura que durou nove meses, com passagens por oito países em dois continentes.
- Abrimos mão do conforto pelas experiências, que são mais importantes. Passamos a prestar atenção em coisas que mais interessam e a gente quase nem percebe - observa Luciana.
Depois de três meses no Velho Continente, Israel já tinha conseguido o passaporte italiano - morando em Bérgamo -, e o dinheiro deles tinha acabado. Eles precisavam procurar trabalho para se manter e realizar o desejo de Luciana - chegaram a fazer apresentações musicais na rua.
Mudaram-se para Dublin, na Irlanda, por causa da boa oferta de empregos, mas não gostaram da cidade cinza e chuvosa, e voltaram a se mudar para Amsterdã, na Holanda. O objetivo era trabalhar e economizar para ir à Índia.
Com o dinheiro em mãos, Israel decidiu acompanhar Luciana à Ásia, fez um curso e virou professor de ioga. Ela fez uma especialização e morou num ashram - comunidade formada para promover a evolução espiritual dos frequentadores, em meio à natureza e sem internet.
Passados esses meses, resolveram voltar para o Brasil para rever a família. Mas, autointitulados "dois passarinhos que não podem ficar presos", eles estão deixando Caxias para morar em Florianópolis, em busca de qualidade de vida.
- Não quero trabalhar por trabalhar, quero ajudar a galera a se descobrir. Viajar me abriu portas que nem sabia que existiam. Perdi o medo de mudança e aprendi a criar perspectivas de futuro - diz ele.
- A vida ganhou ritmo diferente, a gente para de pensar no trabalho e pensa numa missão de vida - complementa Luciana.
Aventura
Casal gaúcho planeja viajar durante 730 dias pelos cinco continentes
Caxiense Carla Dall'Agnol Góis, 25, e santa-cruzense Francisco Rocha, 28, partirão em março
Tríssia Ordovás Sartori
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