Uma das cabeças por trás da criação, em 2005, do Programa Permanente de Estímulo à Leitura (PPEL), Volnei Canônica, 41 anos, já atuou na área de teatro em Caxias do Sul, assessorou a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), coordenou o programa Prazer em Ler do Instituto C&A e fundou, em 2014, o Centro de Leitura Quindim, também em Caxias - o nome foi dado pelo padrinho do grupo, o escritor e ilustrador Roger Mello, vencedor do Prêmio Hans Christian Andersen 2014. Desde o início de agosto, esse caxiense, formado em Relações Públicas e com especialização em Literatura Infantil e Juvenil, abraça um desafio maior: coordenar a Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (DLLLB), órgão ligado ao Ministério da Cultura e encarregado de colocar em prática as políticas federais do livro e leitura.
- O ministro (da Cultura) Juca (Ferreira) está nos trazendo o desafio de pensar uma grande campanha de mobilização da sociedade brasileira para a causa da leitura. Não tenho dúvida de que o único caminho é a leitura literária - diz.
Canônica conversou com o Pioneiro e disse que entre suas metas estão valorizar os esforços da sociedade civil em promover o acesso ao livro e à literatura e fortalecer o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e Comunitárias. Promover a circulação de escritores e ilustradores no Brasil e no Exterior, fomentar a construção de planos municipais e estaduais do livro e da leitura e construir parcerias são outros objetivos. Confira trechos da entrevista:
Quais são os principais desafios da DLLLB, neste momento?
Estamos falando de um país continental com cenários diferentes e um grande déficit no que diz respeito à educação e à cultura. Outro fator importante é que, devido ao contexto econômico e político, a DLLLB não conta, neste momento, com recursos financeiros suficientes para tudo que necessita. Depois desse panorama, só posso dizer que os desafios são muitos e bons. Mas é em momentos como esse que precisamos juntar os esforços e nos reinventar. Dessa forma, estamos buscando estruturar a Diretoria de modo que a equipe se sinta mais confiante para realizar suas ações, facilitando assim a agilidade nos processos, além de valorizar, dar visibilidade e fortalecer as ações já desenvolvidas, reabrir a Biblioteca Demonstrativa de Brasília e viabilizar o aumento dos recursos financeiros para a Diretoria dentro do MinC e por meio de parcerias.
O cenário econômico atual vem afetando, também, o mercado do livro, incluindo cancelamento ou suspensão de projetos voltados à leitura nos mais variados níveis de governo. Em que isso influencia o teu trabalho?
Estamos vivenciando um momento econômico e político bastante delicado. Pelo menos duas questões ficaram evidentes com esses fatos. Primeira, precisamos melhorar, por parte do governo, a compreensão de que a literatura é estruturante para a educação. Queremos leitores plenos que saibam decodificar o código escrito, mas que, principalmente, tenham um melhor entendimento desse código para estruturar os seus conhecimentos, sua cidadania e, assim, contribuir para o avanço do nosso país. Segunda, o mercado livreiro não pode ter o governo - federal, estadual ou municipal - como o grande responsável por sua sustentabilidade. No Brasil temos muita deficiência em ações concretas e demoramos muito para emplacar programas de governo que realmente contribuam para a área. Quando algum protelamento ou suspensão destes programas acontece, o impacto é enorme. Com isso, concluo que o Estado tem como dever investir, de alguma forma, garantindo que a literatura esteja presente nas escolas, e o mercado precisa buscar novas alternativas de sustentabilidade.
O Brasil, infelizmente, ainda não é um país de leitores, temos uma média de leitura bem abaixo de outros lugares. Como você vê isso?
Toda vez que alguma pesquisa sobre os índices de leitura no Brasil é publicada, ficamos desanimados e preocupados. As pesquisas são importantes para o planejamento de ações mais eficientes e com impactos necessários para a mudança de cenários. São dados que devem estar nas mãos dos gestores públicos para que a partir deles possam rever seus caminhos. Por outro lado, existe um Brasil em que as ações de promoção da leitura proliferam. Encontramos bibliotecas escolares e professores que entendem que seu papel na formação vai além da alfabetização e do conteúdo didático. Mediadores de leitura das bibliotecas comunitárias ou bibliotecas móveis ocupando diferentes espaços, sempre rodeados de meninos e meninas à procura de uma história. Muitas bibliotecas públicas, com bibliotecários comprometidos com a literatura, a informação e o conhecimento estão desfazendo o conceito de que biblioteca é um espaço do amontoado de livros e silêncio. Livrarias e cafés se reinventam e promovem saraus, bate-papos, leitura de histórias, dando acesso a todo esse universo ficcional e do conhecimento. O investidor social privado também vem atuando na promoção da leitura, contribuindo com investimento financeiro e técnico para a sustentabilidade de várias ações. Corroborando esse cenário, encontramos os nossos escritores, ilustradores, designers gráficos e editores produzindo literatura e livros de qualidade que provocam e ampliam o olhar de leitores brasileiros e estrangeiros. Mesmo quando o Estado está ausente e para além das estatísticas, o povo brasileiro toma a iniciativa e dissemina a leitura e a literatura.
Como o poder público pode agir?
O poder público tem como dever fomentar o diálogo entre os diferentes atores e construir marcos legais que garantam recursos para a sustentabilidade das ações de promoção da leitura. Para construir uma sociedade mais leitora, teremos de reunir numa mesa-redonda sociedade civil, investidor social privado, poder público e, juntos, planejarmos e desenvolvermos os nossos papéis numa cooperação. Precisamos de territórios leitores mais fortalecidos, e que todos os atores que são importantes para a promoção da leitura estejam em diálogo. Quero que a minha frase "Um por todos e todos por um Brasil de leitores!" não seja só um slogan, mas que seja o caminho percorrido entre o arco e o alvo.
De quem, afinal, é o papel de incentivar a leitura?
Existem várias portas de entrada para a formação de leitores. A qualquer momento da vida a ficção pode te pegar pela mão e te levar para o caminho dos livros e das bibliotecas e nunca mais te deixar. Um caminho que deveria ser o mais natural é o da presença da literatura desde os primeiros anos de vida. É importante que a criança se familiarize muito cedo com o objeto livro e com o processo da leitura. A literatura é caminho para o desenvolvimento do imaginário e do entendimento de mundo. A biblioteca na escola precisa proporcionar literatura diversificada e de qualidade que possa ampliar as possibilidades de conhecimento desta criança e principalmente o estímulo ao imaginário. Uma biblioteca deve contribuir para que o seu entendimento de mundo possa ser ampliado, conforme ela vai experimentando seu lugar no convívio social e principalmente neste processo individual de entendimento dos seus sentimentos.
E o Estado?
O Estado tem de garantir que a população possa continuar a ter acesso ao livro e à leitura pelas bibliotecas públicas, considerando-as espaços que devem abarcam o conhecimento, a cultura e a literatura, patrimônios da humanidade. Essas bibliotecas, se bem estruturadas com equipamentos, equipe qualificada e uma programação atraente, dão acesso a todo esse patrimônio. Aquele leitor que começou na família e teve ou está tendo acesso à literatura na escola e nas bibliotecas comunitárias, pode continuar sua trajetória de leitor na biblioteca pública. Cabe ressaltar que essas bibliotecas comunitárias são bastante ativas, com a presença de crianças o tempo todo e que além da formação de leitores, são espaços de discussão dos direitos da comunidade, de engajamento em causas sociais, colaborando assim para a construção da cidadania. Para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e participativa, o acesso a todas essas bibliotecas é fundamental! Por fim, é necessário um esforço conjunto entre sociedade civil e governo para mudarmos o cenário. Como já disse: "Um por todos e todos por um Brasil de leitores!"
Boa parte do público leitor brasileiro parece preferir autores estrangeiros, ao menos em se tratando de ficção. Há o que fazer nesse sentido?
Estamos falando aqui diretamente de uma questão de mercado. Consumimos informação. Portanto, a todo o momento estamos sendo bombardeados com a lista de mais vendidos _ basicamente autores estrangeiros. Entramos nas grandes livrarias e as vitrines são de autores estrangeiros. Os profissionais que trabalham na promoção da leitura, em sua maioria, não são leitores de literatura nacional. O que os leitores em desenvolvimento irão consumir? Claro que muitos autores estrangeiros devem ser consumidos, nem estou falando só de autores clássicos. MAs precisamos olhar melhor para a literatura brasileira. Não é de hoje que o Brasil tem um rol de autores que não podem faltar nas estantes, nem na cabeceira da cama. Precisamos cada vez mais divulgar os nossos autores. É importante que as feiras de livros e os eventos literários deem espaços para os escritores locais e regionais também. Os novos escritores precisam ser valorizados.
Nessa questão, qual o papel de órgãos públicos, como a DLLLB?
A DLLLB e a Fundação Biblioteca Nacional vêm fomentado, junto com outras secretarias do MinC, a participação de escritores e ilustradores brasileiros em eventos nacionais e internacionais. Fomentado também bolsas de tradução para que esses escritores possam entrar no mercado internacional e também ganhar maior projeção. As leis de incentivo e os fundos de fomento, municipais, estaduais e federais precisam contemplar isso e dar espaço aos novos. Mas gostaria de chamar a atenção para a importante contribuição da imprensa neste assunto. Precisamos da imprensa atuando conosco para dar mais espaço aos autores locais.
Entrevista
"Queremos leitores plenos", diz caxiense que coordena órgão responsável pelas políticas federais da leitura
Volnei Canônica responde pela Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (DLLLB), ligada ao Ministério da Cultura
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