As cicatrizes da protagonista de Cake - Uma Razão para Viver servem de metáfora direta ao que o roteiro do longa propõe. Elas são o sinal mais óbvio de que até mesmo a pele aberta em feridas se regenera, nunca porém sem deixar marcas. Na produção que estreia nesta quinta na Sala de Cinema Ulysses Geremia, o espectador adentra um labirinto entre a dor física (explicitada por um corpo frágil e cambaleante) e a dor na alma (transformada em raiva e egoísmo). O cenário não é dos mais agradáveis, mas Claire (Jennifer Aniston) não pretende pular etapas, pelo contrário, vai vivenciar essas dores de forma arrebatadora, e quase insistente.
Dirigido pelo pouco conhecido Daniel Barnz, o filme parte de um novo ponto de instabilidade na já endurecida rotina de Claire. Recuperando-se de um grave acidente - do qual o espectador não obtém muitas informações ao longo da trama -, a moça rica frequenta um grupo de autoajuda. Quando uma de suas colegas se suicida, ela fica obcecada e vai procurar a família da morta. A primeira impressão que temos sobre Claire é de que ela não está muito disposta a ultrapassar a barreira da dor e, além de cultivar suas cicatrizes com muito afinco, tende a ir de encontro aos problemas. Mas aí está a magia das histórias de cinema: a depressão do viúvo Roy (papel de Sam Worthington) se parece com a de Claire, e uma amizade surge amparada nesse mórbido contexto.
Reconhecida como a eterna Rachel (da também eterna série Friends) e por papéis em comédias românticas açucaradas, Jennifer Aniston abriu as portas da redenção artística depois do trabalho em Cake. Visualmente, a atriz está quase irreconhecível exibindo cabelos escuros e um rosto totalmente entregue ao sofrimento da personagem (maquiagem entrou em cena somente para caracterizar as cicatrizes). A atuação de Aniston transita por momentos de fúria desenfreada e de melancolia íntima - ela mostra talento em ambos -, mas contém ainda boas doses de um humor ácido irresistível.
Mesmo cultivando certa solidão, Claire tem ao seu lado a imbatível empregada Silvana (vivida pela ótima Adriana Barraza). Ela será a responsável pelos momentos mais divertidos do filme _ sim, a dor também reserva momentos hilários. Se Claire é dramática, o roteirista Patrick Tobin dá a ela uma melhor amiga mexicana (toma!). Preste atenção na cena em que Silvana encontra a "patroa" deitada nos trilhos de um trem: primeiro, Aniston dá show de drama contido, depois, Barraza dá show de drama verbalizado em momento "almodóvariano". O flerte de Claire com a morte, aliás, também é tratado de forma interessante no filme, acrescentando certa leveza à dureza da situação.
Muitas cenas de Cake se passam dentro do carro de Claire, onde ela é sempre transportada deitada por conta do corpo debilitado. O ponto de vista "torto" da moça resulta em belas cenas das ruas em movimento. O ângulo pelo qual ela encara a vida, aliás, também vai servir de metáfora para o impactante fim do filme.
O filme entra cartaz nesta quinta e permanece até o dia 5 de julho, com sessões às quintas e sextas, às 19h30min, e aos sábados e domingos, às 20h, na Sala de Cinema Ulysses Geremia (Rua Luiz Antunes, 312). Ingressos custam R$ 4 (estudantes e idosos) e R$ 8. A classificação é 14 anos.
Cinema
Sala Ulysses Geremia estreia "Cake - Uma Razão para Viver" quinta
Jennifer Aniston recebeu indicação ao Globo de Ouro por atuação no drama
Siliane Vieira
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project