Do gueto para o estrelato, das rinhas de rima para os palcos do mundo. Sem clichê, mas com cacife. É assim que dá para descrever, sinteticamente, um pouco da trajetória de Criolo (acima, em foto de Caroline Bittencourt/Divulgação), que faz seu primeiro show em Caxias nesta sexta-feira, às 23h, na All Need Master Hall.
No repertório, músicas do primeiro e bombando disco, Nó Na Orelha, e do mais recente, lançado em novembro, Convoque Seu Buda. No palco, se apresenta acompanhado de sua banda, que conta com os produtores Daniel Ganjaman (teclados) e Marcelo Cabral (baixo elétrico e acústico) e Guilherme Held (guitarra), Maurício Alves (percussão), Thiago França (sax tenor e flauta), DJ Dan Dan (voz) e Sergio Machado (bateria). Confira a seguir a íntegra da entrevista que nele concedeu por telefone.
Como tem sido a repercussão do novo disco?
Criolo: Tem sido a melhor possível. É bom quando você faz a canção, algo que te emociona e te toca, que te faz querer dizer alguma coisa. Depois de um tempo produzindo um tanto de texto, você escolhe alguns, faz a música, lança do disco, divide seu coração e sua história. O que vai acontecer, você não sabe. Mas aí percebe que as pessoas estão escutando, estão baixando o CD, estão falando sobre ele. E o mais importante é isso, essa provocação do diálogo.
Aliás, em seu trabalho o diálogo com o público, propor ideias, parece ser fundamental...
Isso é muito rico. A vida é tão frágil, eu, você, todo mundo é frágil. Quando você participa de alguma coisa, de um debate, isso é maravilhoso. Cantar é um detalhe. A gente quer mais e melhor, quer uma situação mais bacana para nossos pais, para nossos filhos. Isso é o mais bacana, é a magia.
Nó Na Orelha teve uma repercussão estrondosa. Depois disso, havia expectativa sobre o novo disco. Você se preocupou com isso, planejou novidades ou pensou em seguir apresentando o que estava estabelecido a partir do primeiro trabalho?
Não acreditava que estava em condições de fazer um novo disco e dividir mais coisas com as pessoas. Há quatro anos, isso era impensável, inimaginável. Quando eu fiz um show de 20 anos de carreira, anunciei minha despedida, dizendo que não voltaria mais aos palcos. Então, pode ainda dividir canção com as pessoas... Fico numa expectativa minha, pessoal, de pedir que a energia universal me deixe cantar pelo resto da vida. Mas o que vai acontecer, não se sabe. Não está em nossas mãos. Todo ser humano se completa com o olhar do outro. Então, artisticamente, isso se acentua ainda mais. É o comentário do outro que dita o que você vai fazer. E, às vezes este comentário está mais próximo, ou mais distante. Ou vê um defeito, algo que está truncado, e aí vai melhorar um pouquinho. Mas, de fato, nunca está nas nossas mãos. Mas, repito, só o fato de estar cantando está tudo bem. A música já me deu tudo o que podia me dar na vida. Ser reconhecido aos 40 anos (ele tem 39) de idade, 25 de carreira, achar que nada ia acontecer, aí reconhecem uma história de vida, algo que emocionou alguém...
Como você acha que conseguiu projeção internacional?
Acredito que é a força do povo brasileiro que ecoa no resto do mundo. Não tem muito como explicar. Ainda mais eu cantando em português. É uma pessoa que pega a letra, outro gosta da música, o outro traduz. Quando fui cantar em Roma uma equipe de cinco professoras veio falar comigo contando que traduziram minhas músicas para trabalhar em sala de aula. Na Sorbonne, dois jovens me contaram que usaram fragmentos de poesias minhas na universidade. Tem esse movimento também acontecendo no mundo. Aí, o pessoal baixa o disco, que acaba acontecendo. Em janeiro, voltamos à Europa para mais 12 shows. Tudo a convite vindo de lá: Escócia, Inglaterra, França, Bélgica... Isso é crescimento, conhecimento. É legal conhecer artistas do mundo. Estive num encontro mundial de poesia de Berlim conheci um poeta coreano doido, um senhora nova-iorquina linda, poeta dinamarquês....
E a mistura de samba, afrobeat, reggae, rap, candomblé?
A mistura acabou saindo assim. O Nó de Orelha poderia ter sido só um disco de samba, pensei que seria um disco todo assim. Tinha também muito forró. Aliás, o Gero Camilo gravou no CD dele Megatamainho, gravou forró dessa época. O disco também podia ter sido de ponta a ponta rap, rap pra chuchu, mas aconteceu assim.
E a cena rap não te cobra mais fidelidade?
O rap ama a pluralidade. Se você vai ver o que os beatmakers fazem de pesquisa de som, é uma loucura. Tem pesquisa regional para os instrumentais, essa pluralidade é natural, é desde quando nasceu. Mas eu também já estou meio velho, vou fazendo desse jeitinho mesmo. Sou da segunda geração de MCs do Brasil, são 25 anos de trabalho, 40 de vida, faço assim...
Com o provocativo título de Convoque Seu Buda no segundo disco, você quer convocar o que?
Costumo dizer que deve ter no máximo 20 pessoas que mandam no planeta. O negócio é global. O que acontece na China pode abalar os Estados Unidos e vice-versa. O que acontece nos Estados Unidos reflete na Nicarágua. Tudo está interligado, a moeda é global. O que eu não quero é que os jovens esqueçam o que está dentro de nós. Não quero que os jovens percam a esperança no olhar, no coração, por dias melhores. É por isso que falo em convocar seu Buda porque o negócio está tenso. Por mais coisa ruim que a vida te dê, não te deixe levar. Você é alguém que tem algo maravilhoso pra te reabastecer e dividir com o outro.
Como é sua relação com o Sul?
Eu sempre fui convidado para as festas de rap, as batalha, os festivais, a gente dá o sangue para a cena acontecer. Tenho uma relação positiva, de chegar e agradecer. Vejo os esforço de todos aí há duas décadas. Todos o movimento artístico do Sul é forte e está conversando. Arte não pode ter muro. Quem põe muro é o homem, mas a gente derruba. Então, é sempre é uma alegria estar aí. Por isso estou alegre em estar aí. Em Porto Alegre tem um grafiteiro muito bacana, o Trampo, que conheci no Festival de Joinville. Esse cara é coração!
Em Joinville vi você numa rinha de MC...
Então você sabe do que estou falando. É aquilo tudo, cara...
O que você anda ouvindo?
Tanta coisa. Acabei de ganhar o disco de Zé Kéti, maravilhoso, tão especial. Tem muita coisa espalhada por aqui: Quinteto Violado, Chuck Berry, Rodrigo Campos, Arthur Verocai sempre. Também álbum do Zulumbi, projeto que reúne Lúcio Maia, da Nação Zumbi, PG, do Elo Da Corrente, e Rodrigo Brandão, que você precisa ouvir. É muito bom! E tem sempre João Bosco, Paulinho Viola, Milton Nascimento...
Ah, sim, como foi a turnê com o Milton Nascimento? Como tem sido o convívio com os grandes nomes da MPB?
Essa turnê com o Milton foi uma parcerias, foi de amizade. A gente é amigo. Do nada, ele ligou e propôs a turnê. Cantamos Caymmi, uma parceria dele com Caetano, A Terceira Margem do Rio. Aí ele aparece cantando refrão de Mariô, cantou Bogotá inteirinha, brincou em Freguês da Meia Noite. Também cantei Morro Velho, que é maravilhoso. Ser músico é isso. Todos os dias agradeço pelo rap ter me escolhido. Lá atrás, quando eu falava que cantava rap, o povo ria de mim. A gente é do mundo. O rap me ensinou a não ter preconceito, a conversar com todo mundo. Sou filho da Dona Vilani e do Seu Cleiton. Pego um pouquinho do papai, um pouquinho da mamãe, e vou vivendo.
Serviço
Onde: All Need Master Hall (Rua Castelnovo, 13351)
Quando: Nesta sexta, a partir das 23h (a casa abre às 21h30min)
Ingressos: pista promocional R$ 40, 1º lote R$ 50, 2º lote R$ 60 nas lojas Multisom dos shoppings San Pelegrino, Iguatemi e Júlio 1.773