
Os avós, celebrados com um dia dedicado a eles neste sábado, são a melhor ligação com a criança que fomos um dia. A presença - e até mesmo a ausência - deles é capaz de evocar lembranças de momentos ingênuos e peculiares, bem como remontar a uma série de mimos e cuidados da infância. Com o universitário Fernando Aguzzoli Peres, 22 anos, não foi tão diferente.
Quer dizer, mais ou menos.
A vida seguia o ritmo previsível até a avó materna, Nilva De Lourdes Aguzzoli, ser diagnosticada com Alzheimer aos 73 anos. Fernando então decidiu trancar a faculdade e abrir mão da empresa que estava concebendo para se dedicar exclusivamente aos cuidados com ela.
Invertendo a lógica da sucessão geracional, o guri virou pai da avó até dezembro do ano passado, quando ela faleceu. Nesse intervalo de tempo, ele passou a compartilhar as experiências dessa nova realidade em uma página no Facebook e, paralelamente, escreveu o livro Quem, Eu? Uma Avó. Um Neto. Uma lição de Vida (Ed. Belas-Letras, 240 págs., R$ 34,90), que será lançado dia 5 de agosto, às 19h, na Saraiva do Iguatemi Caxias.
- Fiz a página para criar uma informação diferente sobre o Alzheimer e as pessoas me pediam para escrever um livro. Comecei a escrever com a vó, sobre a biografia dela -conta. - Além de cuidar da vó, precisava cuidar de mim, porque não podia entrar em depressão, por exemplo. O humor foi meu antídoto. Eu ria com ela e não dela - relata.
Dona Nilva nasceu em Caxias do Sul e se mudou para Porto Alegre aos 15 anos. O neto lembra que muitas vezes ela confundia Porto Alegre com Caxias, achando que estava na cidade natal, aquela do "chafariz lindo", como se referia. Com a vida na Capital desde a adolescência, uma das primeiras atitudes foi respeitar a independência de dona Nilva.
Como moravam na mesma rua no bairro Petrópolis, passou a supervisioná-la a cada duas horas. Depois ela se mudou para um JK no mesmo prédio e, mais tarde, foi morar na casa dos pais de Fernando. E muitas concessões precisaram ser feitas, a começar pelo cigarro, já que ela fumava muito.
O riso foi a forma encontrada para superar a dor, e o carinho e a paciência a maior lição para lidar com uma avó que ia se esquecendo de tudo.
- Meu maior medo era de ela me esquecer. No primeiro dia que isso aconteceu, fiquei triste, chorei. Ela veio, me abraçou e disse 'não sei teu nome nem quem tu és, mas te amo muito' - lembra.
Fernando achou a situação injusta muitas vezes, mas entendeu que ela não fazia nada de propósito - tinha uma doença neuro-degenerativa que a fazia perder a memória e a capacidade cognitiva pouco a pouco. Quis dividir esses momentos na rede social, os posts ganharam projeção nacional, ele conquistou 73 mil seguidores e decidiu manter o espaço mesmo depois de perder a avó.
- Isso me ajudou no luto. Saber que ajudava outras pessoas me deu força - conta.
O livro reúne 11 capítulos e mantém o mesmo tom de humor do Facebook, terminado uma semana antes de ela falecer no hospital.
- Minha vó é um terreno fértil para o humor. Ela achava que gnomos tinham roubado o cigarro dela! Aprendi tanta coisa com ela. Vó Nilva me mostrou que a gente pensa que não é capaz de fazer muita coisa, especialmente no que diz respeito à fragilidade humana. Mas, quando a vida te força, tu vais fazer e vai ser ótimo, porque tu amas aquela pessoa - completa Fernando.